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A CONDENAÇÃO DE MARTINHO LUTERO


A CONDENAÇÃO DE MARTINHO LUTERO

Bula Exsurge Dominc de Leão X

(15.6.1520)


É sabido que Martinho Lutero (1483-1546) conhecia os escritos de Huss já antes de sua ruptura com a Igreja. Religioso agostiniano cm 1505, sacerdote em 1507, foi professor na Universidade de Wittenberg de 1511 até às morte seu pensamento teológico esteve em continua evolução, mas podemos dizer que o núcleo fundamental que o levou ao repúdio do catolicismo jé estava delineado em 1513, depois da chamada “experiência da torre”. Embora aparentemente ainda ligado à sua Ordem e à Igreja, no íntimo já tinha deixado de pertencer a uma e a outra: os comentários que fez dos Salmos, que são exatamente dessa época (1513-1516), estão em total oposição à doutrina católica.


Experiência fundamental de Lutero e nervo de toda a sua concepção teológica é a negação da sacramentalidade da Igreja no sentido católico do termo. Não desconhece ele a existência de formações empíricas a que se dá o nome de Igrejas; mas para ele verdadeira Igreja é a congregação invisível dos verdadeiros crentes, que têm acesso directamente a palavra de Deus contida na Escritura. A contrapartida é a recusa de toda instituição visível que se diga depositária e intérprete da verdade revelada e dispensadora de graças. Neste mundo, intrinsecamente corrompido pelo pecado (recorde-sr que Lutero identifica o pecado original com a concupiscência), só pode o homem confiar que Deus não lhe impute a iniquidade; mas nem a Fé o justifica interiormente, nem muito menos instrumentos humanos como a Igreja e os sacramentos — conclui Lutero.



O mercado das indulgências, que se fazia em Magdeburg, Halverstadt e Mainz, foi a ocasião próxima do estopim. Em 31.10.1517, no próprio ano do encerramento do V Concilio de Latrão, o frade agostiniano afixou, na porta da Igreja da Universidade de Wittenberg, suas 95 teses contra as indulgências.


Foi grande a repercussão, porque não era só a venda das indulgências que era combatida por Lutero, mas o próprio princípio de que a Igreja fosse a dispenseira dos méritos da Paixão de Cristo, como Clemente VI havia exposto na Bula Ungenitus de 27.1.1343. Em vão expediu Leão X, em 9.11.1518, o Decreto Cum postquam> (A bula é endereçada ao Cardeal Caietanus ( Tomás de Vio), legado papal na dieta de Augsburg. O Papa tentara primeiro conter Lutero por meio de seus superiores da Ordem (3.31518); em 7.8 foi ele intimado a comparecer a Roma; em 23.8 e 11.9 foram expedidos ao Cardeal Caietanus dois Breves com a missão de dialogar, convencer e julgar Lutero. Tudo em vão: o rebelde fugiu para Augsburg na noite de 20 para 21.10, quando começadas as conversações. A bula Completa Postquam é, sem dúvida, doutrinária em matéria de indulgências), em que reconhecia os abusos, sem deixar de manter a doutrina tradicional“. Nessa altura, Lutero já tinha declarado a ineficácia da ex-comunhão e, em 10.12.1520, mostrou a pouca importância que dava ao Direito Canônico, queimando o seu código junto com nova Bula Exsurge Domine, na qual, depois de uma consulta papal aos professores das Universidades de Colônia e Louvain, eram condenadas 41 proposições extraídas da obra do heresiarca. A universidade de colônia tinha condenado as obras e uma série de proposições extraídas de seus escritos (30.8.1519). O mesmo fez a universidade de Louvain ( 7.11.1519). O Papa teve assim que analisar mais de perto o caso: em 9.1.1520 o primeiro consistório presidido todos Cardeais Caietanus e Accolti. Prolongaram-se os trabalhos até abril e a maioria dos membros da comissão se inclinou pela condenação de lutero, mas Leão X resolveu tomar uma decisão tão grave assim só em 20.5. A missão de redigir foi confiada ao Cardeal Accolti. Referem-se umas à concupiscência e à natureza humana depois do pecado; outras, à graça’“, aos sacramentos, especialmente à Penitência’”, ao purgatório, às indulgências e a Igreja.


Lutero não só não se submeteu, mas respondeu com a máxima arrogância com um libelo: Contra a execrável bula do anticristo, essas foram palavras dele. Foi excomungado em 3.1.1521: consumava-se assim sua ruptura com a Igreja Católica.


[Proposições condenadas]

1. É herética, mas amplamente difundida, a afirmação de que os sacramentos do Novo Testamento conferem a graça santificante aos que não [lhe] põe obstáculo. (As proposições são transcritas quase ao pé da letra das obras de Lutero. A de número 1 se acha nas resolutiones de 1518, e, ainda que diretamente se refira aos sacramentos, contém uma concepção geral da igreja, segundo a qual afirma ele ser herética a concepção católica da Igreja como instrumento da Graça. todas as outras proposições devem ser vistas à luz desta perspectiva fundamental, que nega a instrumentalidade do elemento visível da Igreja e reduz tudo a fé interior, que, para Lutero, é uma mera confiança em que Deus não leve em conta os pecados, já que, para heresiarca, o homem é e continua assim sempre pecador.

2. Negar que permaneça o pecado na criança depois do batismo é menosprezar, ao mesmo, tempo Paulo e Cristo. (A proposição é tirada literalmente da resolução 2 sobre a disputa de Leipzig, onde Lutero acrescenta que o pecado venial se diferencia do mortal só em relação a misericórdia de Deus. Também o comentário ao salmo 118. O ponto da questão é que Lutero identifica o pecado com a concupiscência: daí afirma o heresiarca que o pecado subsiste mesmo depois do batismo e que “o justo peca em toda boa obra”. chegou Lutero a essas conclusões por uma verdadeira e própria mistificação do pensamento de Santo Agostinho).


15. Grave é o erro daqueles que se aproximam do sacramento da Eucaristia, confiados em que se confessaram, em que não têm consciência de nenhum pecado mortal, em que fizeram previamente suas orações e atos preparatórios: todos eles comem e bebem a própria condenação (cf. 1 Co: 11, 29). Mas se crerem e confiarem que ali hão de conseguir a graça, só esta fé os torna puros e dignos. ( Tanto nesta proposição, coluna anterior, é o princípio da justificação pela fé fiducial a única coisa que conta).

24. Aos cristãos deve-se ensinar a amar a ex-comunhão do que a temê-la.

25. O Romano Pontífice, sucessor de Pedro, não é o vigário de Cristo sobre todas as Igrejas do mundo inteiro, instituído pelo próprio Cristo na pessoa de São Pedro [in beato Petro].

26. A palavra de Cristo a Pedro: “Tudo o que desligares sobre a terra etc.” (Mt 16, 19) só vale para aquilo que foi ligado pelo próprio Pedro.

27. É certo que não pertence absolutamente ao poder da Igreja ou do Papa [in manu Eclesiae aut papae] estabelecer artigos de fé, muito menos leis morais ou referentes a boas Obras.



Da Igreja, realidade visível e invisível


Cristo, o único Mediador, constituiu na terra Sua Igreja santa, comunidade de Fé, de Esperança e de Caridade, como um organismo visível; sustenta-a incessantemente” e, por ela, difunde sobre todos a verdade e a graça. Mas a sociedade constituída de órgãos hierárquicos e o Corpo Místico de Cristo, a assembleia visível e a comunidade espiritual, a Igreja terrestre e a Igreja de posse dos bens celestiais não devem ser consideradas como duas realidades, mas formam uma só realidade complexa, em que se fundem o elemento humano e o divino ( Pio XII encíclica Humani generis). Por esta profunda analogia, a Igreja comparada ao mistério do Verbo Encarnado. De fato, assim como a natureza assumida, indissoluvelmente unida a ele, está a serviço do Verbo Divino como órgão vivo de salvação, assim também o organismo social da Igreja está a serviço do Espirito de Cristo que o vivifica, para o crescimento do Corpo (cf. Rf 4.16 3).



Esta é a única Igreja de Cristo [Haec est unica Chisti Eclesia], que no símbolo professamos “una, santa, católica e apostólica” e que nosso Salvador, depois de Sua ressurreição, entregou a Pedro para apascentar (cf. J0 21, 15.16.17), confiando-lhe e aos outros Apóstolos sua difusão e governo (cf. Mt 28,18), e a constituiu para sempre como “coluna e fundamento da verdade”(cf. 1 Tm 3,15). Esta Igreja, constituída e ordenada neste mundo como uma sociedade, subsiste na Igreja Católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos bispos em comunhão com ele”, embora se encontrem, fora de sua estrutura [compaginem] visível, vários elementos de santificação e verdade [Haec Ecclesia, in hoc mundo ut societas constituta et ordinata, subsistit in Ecclesia Catholica, a successore Petri et episcopi: in eius communione gubernata, licet extra eius compaginem elementa plura sanctficationis et veritatis inveniantur]. Estes elementos, como dons próprios da Igreja de Cristo, impelem à unidade católica [quae ut dona Ecclesiae Christi propria, ad unitatem catholicam impellunt].


Mas assim como Cristo consumou a obra da Redenção na pobreza e na perseguição, assim também a Igreja é chamada a seguir o mesmo caminho, para comunicar aos homens os frutos da salvação em Cristo Jesus, “sendo de natureza divina [cumprimentos in foma Dei esset] (…), despojou-Se de Si próprio, assumindo a condição de servo [formam servi accipiens] (Fl 2,6-7), e por nós “fez-Se pobre, embora fosse rico”(2 Cor 8,9): assim também a Igreja, embora o cumprimento de sua missão exija meios humanos, não foi instituída para buscar a glória deste mundo, mas para pregar a humildade e a abnegação, inclusive com seu exemplo. Cristo foi enviado pelo Pai para “evangelizar os pobres, (…) curar os contritos de coração” (Lc 4,18), “procurar e salvar o que estava perdido”(Lc 19,10): da mesma forma, a Igreja cerca de amor todos os afligidos pela fraqueza humana; mais ainda: reconhece nos pobres e no: que sofrem) a imagem de seu Fundador pobre e sofredor, faz o possível para aliviar-lhes a pobreza e neles procura servir a Cristo. Mas enquanto Cristo, “santo, inocente, imaculado'(Hb 7,26), não conheceu o pecado (cf. 2 Cor 5,21), mas veio em expiação dos pecados de todos [sola delicta populi] (cf. Hb 2,17), a Igreja, abraçando em seu seio os pecadores, ao mesmo tempo santa e necessitada de constante purificação, busca sem cessar a penitência e a renovação.



“Entre as perseguições do mundo e as consolações de Deus avança a Igreja, peregrina (santo Agostinho, cidade de Deus), anunciando a Cruz e a a Morte do Senhor até que Ele venha (cf. 1 Cor 11,26). Mas ela é revigorada pela força do Senhor ressuscitado para vencer, com paciência e caridade, suas aflições e dificuldades, tanto internas quanta externas, para poder revelar fielmente, embora entre sombras, o mistério de Cristo ao mundo, até que no fim dos tempos se manifeste com todo o esplendor.


Collantes, Justo, A fé católica: documentos do magistério da Igreja, Lumen Christi; Anápolis, GO, 2003.

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