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A PROPRIEDADE PRIVADA E O PATRIMÔNIO FAMILIAR, CRIAÇÕES DA IDADE MÉDIA

O patrimônio familiar A noção de família assim compreendida repousa sobre uma material: “é a herança de família — bem fundiário em geral, por que a terra constitui, desde os começos da idade média, a única fonte de riqueza e permanece consequentemente o bem estável por excelência. (PERNOUD, 1996; p.19) estas herança familiares não podem ser vendidas e nem tomadas, sejam um arrendamento servil ou domínio senhorial. Permenecerá sempre propriedade da linhagem. Quanto a este aspecto, dirá Pernoud (1996):

“[…]de qualquer maneira, o que é anotado no sistema de transmissão de bens e que passam para um único herdeiro, sendo este designado pelo sangue não existe herdeiro por testamento, diz-se em direito consuetudinário na transmissão do patrimônio de família à vontade do testamenteiro não intervém pela morte de um pai de família, o seu sucessor natural entra em pleno direito em posse do patrimônio isto é o filho mais velho, com algumas exceções como Portugal em se passava para os filhos segundos e outras regiões ao mais novo, por este ficar mais tempo com os pais (PERNOUD, 1996; p.20).

A historiadora Pernoud (1996, p. 22) demonstra o funcionando de um domínio, expõe a unidade e a estabilidade do domínio, e a importância e a garantia tanto para o futuro como para o presente, o domínio no regime feudal era dinâmica, pois eram trabalhadas e deixavam uma parte das terras em descanso, favorecendo a continuidade do esforço familiar. Se não fosse a herança familiar, a exploração cessaria com o indivíduo. Entende-se que o indivíduo passa, enquanto o patrimônio fica, e, na Idade Média, tendia-se para um patrimônio como o domínio ser residência de todos de uma família. Uma palavra define a terminologia medieval, essa palavra é manso senhorial, o lugar onde se está, o ponto de ligação da linhagem, o teto que abriga os seus membros, passados e presentes, e que permite às gerações sucederem-se pacificamente. Entende-se que assegurar à família uma base fixa, fazê-la com que tenha uma ligação ao solo faz com que tenha raízes nestes lugares, possa produzir e levar adiante toda a cultura e produção que os antepassados iniciaram, tal é a finalidade dos antepassados europeus. O homem não é senão o guardião temporário, o usufrutuário; o verdadeiro proprietário é linhagem (PERNOUD, 1996; p.21). Uma séria de costumes medievais decorrem desta preocupação de salvaguardar o patrimônio de família. Assim em caso de falta de herdeiro direto, os bens de origem paterna voltam para a família do pai e os de origem materna para a da mãe—enquanto no direito Romano só se reconhecia o parentesco por via masculina. (Pernoud, 1981:21) existe uma questão que é importante ressaltar, que são as restrições impostas à liberdade do servo que decorrem todas dessa ligação ao solo. Segundo Pernoud (1996):

O senhor tem sobre ele direito de séquito, isto é, pode levá lo à força para o seu domínio em caso de abandono, porque, por definição, o servo não pode deixar a terra; só é feita exceção para aqueles que partem em peregrinação. O direito de formariage arrasta a interdição de se casar fora do domínio senhorial quem se encontrar adscrito, ou, como se dizia, «abreviado»; mas a Igreja não deixará de protestar contra este direito que atentava contra as liberdades familiares, e que se atenuou de fato a partir do século X; estabelece-se então o costume de reclamar somente uma indenização pecuniária ao servo que deixava um feudo para se casar num outro; ai se encontra a origem desse famoso «direito senhorial», sobre o qual foram ditos tantos disparates: não significava outra coisa senão o seu direito de autorizar o casamento dos servos; mas como, na Idade Média, tudo se traduz por símbolos, o direito senhorial deu lugar a gestos simbólicos cujo alcance se exagerou: por exemplo, colocar a mão, ou a perna, no leito conjugal, donde o termo por vezes em pregado de direito de pernada, que suscitou tantas interpretações de deploráveis, de resto perfeitamente erradas (PERNOUD, 1996; p.41).

A obrigação sem dúvida mais penosa para o servo era a mão-morta: todos os bens por ele adquiridos durante a vida deviam depois da sua morte regressar para o senhor; por isso também essa obrigação foi reduzida desde muito cedo, e o servo ficou com o direito de dispor por testamento dos seus bens móveis (porque a sua propriedade passava de qualquer modo para os filhos). Além disso, o sistema de comunidades silenciosas permitiu-lhe, conforme o costume do lugar, escapar à mão-morta, já que o servo podia, como o plebeu, formar com a família uma espécie de sociedade agrupando todos aqueles que pertenciam a um mesmo «pão e pote>, com um chefe temporário cuja morte não interrompia a vida da comunidade, continuando esta a desfrutar dos bens de que dispunha. Para Pernoud (1996):

Na Idade Média se tem tão viva a preocupação de respeitar o curso natural das coisas, de não criar prejuízos quando aos bens familiares, que, no caso em que aqueles que detêm determinados bens morram sem herdeiro, o seu domínio não pode voltar para os ascendentes; procura-se os descendentes mesmo afastados, primos ou parentes, tudo menos fazer voltar estes bens para os seus precedentes «Bens próprios não voltam para trás.» Tudo pelo desejo de seguir a ordem normal da vida, que se transmite do mais velho para o mais novo, e não volta para trás: os rios não voltam à nas cente, do mesmo modo os elementos da vida devem alimentar aquilo que representa a juventude, o futuro. De resto é mais uma garantia para o património da linhagem este virar-se necessariamente para seres jovens, portanto mais ativos e capazes de o fazer valer mais (PERNOUD, 1996; p.22).

A transmissão dos bens pode ser observada de uma maneira muito reveladora em relação ao sentimento familiar, que é a grande força Média. “A família: aqueles que vivem de um mesmo “päo e pote”” (PERNOUD, 1996; p.22). Constitui uma verdadeira personalidade moral e jurídica, possuindo em comum os bens de que o pai é o administrador; pela sua morte, a comunidade reconstitui-se com a orientação de um dos filhos-familia, designado pelo sangue, sem que tenha havido interrupção da posse dos bens nem transmissão de qualquer espécie. É aquilo a que se chama a comunidade silenciosa, de que faz parte qualquer membro da casa de família que não tenha sido expressamente posto “fora do pão e pote”). O costume existiu até ao fim do Antigo Regime e podem-se citar famílias francesas que durante séculos nunca pagaram o mínimo direito de sucessão. Reitera Pernoud (1996):

O jurista Dupin assinalava deste modo, em 1840, a família Jault que não o pagava desde o século XIV. Em todos os casos, mesmo fora da comunidade silenciosa, a fa família, considerada no seu prolongamento através das gerações, per maneva o verdadeiro proprietário dos bens patrimoniais. O pai de família que recebeu estes bens dos antepassados deve dar conta deles aos seus descendentes; seja ele servo ou senhor, nunca é o dono absoluto. Reconhece-se-lhe o direito de usar, não o de abusar, e tem, além disso, dever de defender, de proteger e de melhorar a sorte de todos aqueles, seres e coisas, de que foi constituído o guardião natural (PERNOUD, 1996; p.22).

Com esse sistema se formou a França e muitas outras nações, essas nações são obra e fruto dessas milhares de famílias, obstinadamente fixadas ao solo, no tempo e no espaço. “Francos. Borgonheses, Normandos, Visigodos, todos esses povos móveis, cuja massa instável faz da Alta Idade Média um caos tão desconcertante, formavam, desde o século X, uma nação, solidamente ligada à sua terra, unida por laços mais seguros que todas as federações cuja existência se proclamou. Através do esforço dessas pequenas famílias temos a origem a uma vasta família, através dessa administração da família, temos a linhagem capetiana que é o símbolo da competência, conduzida de pai para filho, durante três séculos, os destinos da França. Este certamente e um dos mais belos exemplos que a história pode oferecer, essa família sucedendo-se à liderança em uma linha direta, sem interrupção, durante mais de trezentos anos – tempo igual ao do aparecimento do rei Henrique IV até à guerra de 1940. Assim se compreende a história dos Capetos diretos, é a história de uma família francesa entre milhões de outras. . A Idade Média, saída da incerteza e do de acordo, da guerra e da invasão, foi uma época de estabilidade, de permanência, isso se deve as suas instituições familiares, tais como as expõe o direito consuetudinário. Nelas se conciliavam com efeito o máximo de independência individual e o máximo de segurança. O direito consuetudinário, que fez a força da França, opunha-se nisso diretamente ao direito romano, no qual a coesão da família não se deve senão à autoridade do chefe, estando todos os membros submetidos a uma rigorosa disciplina durante toda a vida: concepção militar, estatista, repousando sobre uma ideologia de legistas e de funcionários, não sobre o direito natural. Comparou-se a família nórdica a uma colmeia que se desloca periodicamente e se multiplica renovando os terrenos de colheita e a família romana a uma colmeia que não enxamearia nunca. Disse-se também da família «medieval que ela formava pioneiros e homens de negócios, enquanto a família romana dá nascimento a militares, administradores, funcionários (PERNOUD, 1996; p. 24). E curioso seguir, ao longo dos séculos, a história dos povos formados nas diferentes disciplinas e verificar os resultados a que chegaram. A expansão romana tinha sido política e militar, e não étnica; os Romanos conquistaram um império pelas armas e conservaram-no por intermédio dos seus burocratas; este império só foi sólido enquanto soldados e funcionários puderam vigiá-lo facilmente; não parou de crescer a desproporção entre a extensão das fronteiras e a centralização, que é o fim ideal e a consequência inevitável do direito romano; ele desabaria por si próprio, pelas suas próprias instituições, quando o ímpeto das invasões lhe veio dar o golpe de misericórdia. A este exemplo, opõe-se o das raças anglo-saxónicas; os seus costumes familiares foram idênticos aos de França durante toda Idade Média, e, contrariamente ao que se passou entre franceses. é isso sem dúvida que explica a sua prodigiosa expansão através do mundo. Um grande exército de exploradores, de pioneiros, de comerciantes, de aventureiros e de temerários deixando as suas casas a fim de tentarem a sorte, sem por isso esquecerem a terra natal e as tradições dos pais, está aí as bases da fundação de um império. Os países germânicos, que forneceram em grande parte os costumes da Idade Média adotou, muito precocemente colocaram sua autoridade sob o direito romano. Os seus imperadores estavam em situação de retomar as tradições do Império do Ocidente e julgavam que, para unificar as vastas regiões que lhes estavam submetidas, o direito romano lhes fornecia um excelente instrumento de centralização. Foi aí, portanto (PERNOUD, 1996; p.24), desde muito cedo posto em prática e desde o fim do século XIV constituía definitivamente a lei comum do Santo Império, enquanto em França, por exemplo, a primeira cadeira de Direito Romano só foi instituída na Universidade de Paris em 1679. Por isso a expansão germânica foi mais militar que étnica. A França foi sobretudo modelada pelo direito consuetudinário. Durante toda a Idade Média, a França manteve intactos os seus costumes familiares, as suas tradições domésticas. Somente a partir do século XVI as instituições, sob a influência dos legistas, evoluem num sentido cada vez mais «latino». É uma transformação que se opera lentamente e que se começa a notar em pequenas modificações: é dada a maioridade aos vinte e cinco anos, como na Roma antiga, onde, encontrando-se o filho em perpétua menoridade em relação ao pai, não havia inconveniente em que fosse proclamada bastante tarde. De acordo com Pernoud (1996):

Ao casamento, considerado até então como um sacramento, como a adesão de duas vontades livres para a realização do seu fim, vem acrescentar-se a noção do contrato, do acordo puramente humano, tendo como base estipulações materiais. A família francesa modela-se sobre um tipo estatista que ainda não tinha conhecido, e, ao mesmo tempo que o pai de família concentra rapidamente nas suas mãos todo o poder familiar, o Estado encaminha-se para a monarquia absoluta 10. A de peito das aparências, a Revolução foi não um ponto de partida mas um ponto de chegada: o resultado de uma evolução de dois a três séculos; ela representa o apagamento nos nossos costumes da lei romana à custa do direito consuetudinário; Napoleão não fez senão acabar a obra, instituindo o Código Civil e organizando o exército, o ensino, toda a nação, sobre o ideal funcionalista da Roma antiga. […] Pode-se avaliar a questão da influência do direito romano, não descartando seus méritos mas que não era às características da raça franca, à natureza da terra franca, germânica, etc. Esse conjunto de leis, forjadas com todos os elementos por militares e por legistas, essa criação doutrinal, teórica, rígida, jamais poderia substituir passivamente os costumes elaborados pela experiência de gerações, lentamente moldados à medida das nossas necessidades? (PERNOUD,1996; p.25).

Entende-se que um Estado urbano concebeu o direito romano. Quando se busca a História da vemos a História das grandes cidade; diferente do que se faz com a História da França e outras nações europeias medievais, é preciso olhar para o zona rural, e não para as capitais, aí está o início das nações europeias. É onde se trabalha o solo para produção da alimentação e da bebida.

É um fato significativo ver durante a Revolução aquele a quem se chamava o manant (aquele que fica) tornar-se o cidadão: em «cidadão» há «cidade». O que se compreende, já que a cidade iria deter o poder político, portanto o poder principal, porque, tendo deixado de existir o costume, tudo deveria a partir daí depender da lei. As novas divisões administrativas de França, os departamentos que giram todos à volta de uma cidade, sem ter em conta a qualidade do solo dos campos que a ela se ligam, manifestam bem esta evolução de estado de espirito (PERNOUD,1996; p.26).

Na revolução francesa, a vida familiar estava enfraquecida e esse foi o ponto em que estabeleceram instituições como o divórcio, a alienação do patrimônio ou as leis modernas sobre as sucessões. As liberdades privadas com as quais antes tinha-se tanto zelo, desapareciam perante um Estado centralizado à maneira romana. Certamente está aí a origem de problemas que depois se puseram com tanta acuidade: problemas da infância, da educação, da família, da natalidade que não existiam na Idade Média, porque a família era então uma realidade, porque possuía a base material e moral e as liberdades necessárias à sua existência.

PERNOUD, Pernoud. Luz sobre a Idade Média. Europa-América publicações Ltda, Lisboa, 1996.

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