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CAPÍTULO II ERROS DOS MINISTROS [PROTESTANTES] ACERCA DA NATUREZA DA IGREJA Artigo 1º – A Igreja c

Pelo contrário, senhores, a Igreja que contradisse e se opôs aos vossos primeiros ministros e que continua se opondo aos de hoje, encontra-se tão bem caracterizada por todos os lados, que ninguém, por cego que possa ser, pode pretender se eximir por causa da ignorância, do dever que todos os bons cristãos têm de seguí-la, nem de crer que é a verdadeira, única, inseparável e mui querida Esposa do Rei celeste, o que torna vossa separação muito mais injustificável, pois deixar a Igreja e contradizer os seus decretos é converter-se sempre em ‘ethnico’ e ‘publicano’ (cf. Mateus 18,17), mesmo se fosse pelo persuasão de um anjo ou serafim (cf. Gálatas 1,8); porém, ceder à persuasão de homens claramente pecadores, como os demais, sem autoridade, sem licença, sem quaisquer das qualidades exigidas para os pregadores e profetas, fora do simples conhecimento de certas ciências, e romper todos os vínculos e a mais religiosa obrigação de obediência que existe no mundo, que é a que se deve à Igreja como Esposa de Nosso Senhor, é uma falta que não pode ser reparada senão por um grande arrependimento e penitência, aos quais vos convido da parte do Deus vivo.

Os adversários, que percebem que nesta prova sua doutrina deve ser reconhecida como lei sem valor, tentam desviar a nossa atenção da prova invencível dos sinais da verdadeira Igreja e pretendem, portanto, manter que a Igreja é invisível e, por consequência, incogniscível. Creio que isto é o cúmulo do absurdo, e que ao lado disso se situam imediatamente o delírio e a raiva.

Por dois caminhos diferentes carregam sua opinião da pretensa invisibilidade da Igreja, pois alguns dizem que é invisível porque é composta apenas por pessoas eleitas e predestinadas, enquanto que outros atribuem esta invisibilidade à escassez e dissipação dos crentes e fiéis. Para os primeiros,a Igreja é, em todos os tempos, invisível; e os segundos dizem que esta invisibilidade durou cerca de mil anos, mais ou menos, isto é, desde São Gregório até Lutero, ou seja, durante o tempo em que o Pontificado era pacífico no Cristianismo; pois eles dizem que durante esse tempo existiram muitos cristãos verdadeiros em segredo, que não descobriram suas intenções e se contentaram em servir assim a Deus encobertamente. Esta teologia é tão imaginária e nociva que os outros preferiram dizer que durante esses mil anos a Igreja não foi visível nem invisível, mas que foi abolida e afogada pela impiedade e idolatria.

Permiti-me – eu vos peço – que eu diga livremente a verdade: todos esses discursos se ressentem do excesso de delírio; são sonhos que se têm em estado de vigília e não valem mais do que aquele que teve Nabucodonosor dormindo; são também totalmente contraditórios, se formos crer na interpretação de Daniel, pois Nabucodonosor viu “uma pedra talhada de um monte, sem obra de mãos [humanas], que veio rolando e derrubou a grande estátua e cresceu de tal forma que, convertida em montanha, preencheu toda a terra” (Daniel 2,34-35). E Daniel o interpretou no sentido do Reino de Nosso Senhor, que permanecerá eternamente (cf. Daniel 2,44).

Se é como uma montanha e tão grande que preenche a terra, como poderia ser invisível ou secreta? E se dura eternamente, como poderia deixar de existir por mil anos? E não cabe dúvida de que esta passagem trata do Reino da Igreja militante, pois, em primeiro lugar, o da triunfante preencherá o céu e não apenas a terra; e não remontará ao tempo dos outros Reinos, segundo a interpretação de Daniel, a não ser após a consumação dos século.

Ademais, o fato [dessa pedra] ser talhada da montanha, sem obra de mãos [humanas] pertente à geração temporal de Nosso Senhor, segundo o qual foi concebido no ventre da Virgem e gerado de sua própria substância, sem obra humana, apenas pela bênção do Espírito Santo. Assim, ou Daniel profetizou mal ou erram os adversários da Igreja Católica quando dizem que a Igreja é invisível ou encontra-se oculta e abolida. Tende paciênciua, em nome de Deus, e já iremos colocar ordem e, brevemente, demonstrar a vaidade dessas opiniões.

Contudo, antes disso, é necessário dizer o que é a Igreja. ‘Igreja’ vem da palavra grega que quer dizer ‘chamar’; portanto, significa uma Assembleia ou Companhia de pessoas chamadas: ‘Sinagoga’ quer dizer, apropriadamente, ‘rebanho’. A Assembleia dos judeus foi chamada ‘Sinagoga’; a dos cristãos chama-se ‘Igreja’. Daí que os judeus estiveram como um rebanho no redil, unido e misturado pelo terror, enquanto que os cristãos são reunidos pela Palavra de Deus e são chamados juntos na união da caridade pela pregação dos Apóstolos e seus sucessores; acerca disso, diz Santo Agostinho: “A Igreja tem seu nome da convocação; a Sinagoga, do rebanho. Isto porque o ser convocado pertence mais aos homens e o ser amontoado pertence mais ao rebanho” (In Inchoata Expos. Ep. ad Rom. et in Psalm 81,1).

Com justo título ‘Igreja’ ou ‘convocação’ foi chamado o povo cristão, porque o primeiro benefício que Deus fez ao homem, para colocá-lo na graça, foi chamar-lhe à Igreja, que é o primeiro efeito de sua predestinação: “Aqueles a quem predestinou, chamando-os”, dizia São Paulo aos Romanos (8,30); e aos Colossenses (3,15): “E a paz de Cristo bate em vossos corações, na qual fostes chamados a um corpo”.

Ser “chamados a um corpo” é ser “chamados à Igreja” e, nestas analogias que Nosso Senhor propõe em São Mateus (20,1.16; 22,2.4), da vinha e do banquete com a Igreja, aos operário da vinha e aos convidados para as bodas, dá-se o nome de ‘chamados’ ou ‘convocados’. Diz: “Muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos).

Os atenienses chamavam ‘igreja’ à convocação dos cidadãos; à convocação dos estrangeiros, davam outro nome; disto se segue que a palavra ‘Igreja’ convém propriamente aos cristãos que “já não são penetras e passageiros, mas concidadãos dos Santos e servidores de Deus” (Efésios 11,19).

Daí provém a palavra ‘Igreja’ e eis aí também a sua definição. A Igreja é uma Santa (cf. Efésios 5,27) universidade ou companhia geral de homens unidos (cf. Tobias 11,52; Ad Eph. 4,4 (Cyp). Deimitute Ecclesiae) e recolhidos na profissão de uma mesma fé cristã, na participação dos mesmos pensamentos e benefícios (cf. 1Coríntios 10,16; Hebreus 7,11), e na obediência (cf. Tobias 10,16; 21,17) de um mesmo vigário e tenente-geral na terra de Nosso Senhor Jesus Cristo, e sucessor de São Pedro, sob o cargo dos legítimos Bispos (cf. Efésios 4,11-12). Como disse, antes de mais nada, era uma Santa Assembleia ou Companhia, daí sua santidade interior…*

Quero falar da Igreja militante, da qual a Escritura nos deixou testemunhos, diferente da que propõem os homens. Pois bem: em toda Escritura não se encontrará jamais que a Igreja tenha sido tomada por assembleia invisível. Eis aqui as nossas razões, expostas de maneira simples:

1ª) Nosso Senhor e Mestre nos remte à Igreja em nossas dificuldades e divisões (cf. Mateus 18,16-17). São Paulo ensinou Timóteo como é necessário dialogar nesta (cf. 1Timóteo 3,15); mandou chamar os anciãos da Igreja de Mileto (cf. Atos 20,17) e os fez saber que eram constituídos pelo Espírito Santo para reger a Igreja (cf. Atos 20,28); foi enviado pela Igreja com São Barnabé e recebido pela Igreja (cf. Atos 20,3-4.22); confirmou as igrejas (cf. Atos 20,41), constituiu sacerdotes para as igrejas e congregou a Igreja (cf. Atos 14,22.26); saudou a Igreja da Cesareia (cf. Atos 18,22) e [chegou a] perseguir a Igreja (cf. Gálatas 1,13). Como seria possível entender tudo isso se a Igreja fossa invisível? Onde a procuraria para reclamar perante ela, para dialogar nela ou para regê-la? Quando ela enviava São Paulo ou o recebia; quando ele a confirmava, a provia de sacerdotes, a saudava ou perseguia, era figurativamente ou apenas por fé e em espírito? Creio que ninguém deixe de ver nitidamente que todos esses efeitos são visíveis e perceptíves de uma e de outra parte. E quando escrevia [para a Igreja](cf.Gálatas 1,2; 2Coríntios 1,1-2), dirigia-se por acaso para qualquer fantasia invisível?

2ª) O que dirão aos Profetas, que representam a nós não apenas como Igreja visível mas também clara, ilustre, manifesta e magnífica? Eles a pintam como “uma rainha adornada de vestes de ouro em camadas, com uma bela variedade de riquezas (cf. Salmo 44,10.14), como uma montanha (cf. Isaías 1,2; Miqueias 4,1-2), como um sol, como uma lua cheia, como o arco-íris, testemunha fiel e certa do favor de Deus para com os homens, que são todos da posterioridade de Noé, como diz o Salmo em nossa versão [latina]: “Et thronus eius sicut sol in conspectu meo, et sicut luna perfecta in aeternum, et testis in coelo fidelis” (Salmo 88,37; v.tb. Cântico 6,9; Gênesis 9,13).

3ª) A Escritura atesta em todas as suas passagens que a Igreja pode ser vista e conhecida. Mais ainda: que é cogniscível. Salomão, nos Cãnticos (6,8), falando da Igreja, não diz: “As filhas a viram e pregaram-na por bem-aventurada”? E depois, inserindo suas filhas nela, não as faz dizer: “Quem é esta que vem e se produz como a aurora da manha, bela como a lua, eleita como o sol, terrível como um esquadrão de soldados bem ordenado” (Cântico 6,9)? Tudo isso não é declará-la visível? E quando é chamada assim: “Volta, volta, Sulamina; volta, volta, para que te vejam”, e ela responde: “O que é que vês nesta Sulamina, senão as tropas dos exércitos?” (Cântico 7,1); isto também não é declará-la visível? Quem quer que considere estes admiráveis Cânticos e representações pastoris dos amores do Esposo celeste com a Igreja, verá que esta é sempre visível e relevante. Isaías (35,8) fala assim acerca dela: “Em vós há um caminho reto e aqueles que por ele andem não se extraviarão”; não será, portanto, necessário que a Igreja seja patente e fácil de conhecer, visto que as pessoas mais simples sabem chegar até ela sem se enganar?

4ª) Os pastores e doutores da Igreja são visíveis; logo, a Igreja é visível. Dizei-me agora, eu vos rogo: sendo os pastores da Igreja uma parte da Igreja, não será necessário que os pastores e as ovelhas se reconheçam entre si? E não será preciso, ademais, que as ovelhas escutem a voz do pastor e o sigam (cf. João 10,4)? E, assim mesmo, não será necessário para o bom pastor buscar a ovelha extraviada, conhecer a sua marca e o seu redil? Seria, com efeito, uma espécie particular de pastores aquela que não soubesse reconhecer, nem enxergar o seu rebanho. Não sei se é necessário eu provar que os pastores são visíveis, pois vemos negar tantas coisas igualmente claras! São Pedro era pastor – assim eu creio – pois Nosso Senhor lhe disse: “Apascenta as minhas ovelhas” (João 21,17). Os Apóstolos também o eram, e eram vistos (cf. Mateus 1,16). Acredito que a aqueles a quem São Paulo disse: “Tende cuidado de vós e de todo o rebanho, do qual o Espírito Santo vos constitui para reger a Igreja de Deus” (Atos 20,28), foram vistos e quando, como bons filhos, se lançaram ao colo desse bom pai, beijando e banhando seu rosto com suas lágrimas (cf. Atos 20,37), creio que ele (=São Paulo) os tocou, sentiu e enxergou; e o que mais me faz crer assim é que eles lamentaram muito sua partida, porque havia dito para eles que não mais veriam a sua face (cf. Atos 20,38). Portanto, eles viram São Paulo e São Paulo viu todos eles. E mais: Zwínglio, Ecolompádio, Lutero, Calvino, Beza, Múscule são visíveis e, quanto aos últimos, ainda há muitos que os viram e são chamados “pastores” por seus sectários. Se é possível ver os pastores, consequentemente se dá o mesmo com as ovelhas.

5ª) É próprio da Igreja ter a seu cargo a verdadeira pregação da Palavra de Deus e a verdadeira administração dos Sacramentos. Tudo isto não é visível? Então como poderiámos querer que o sujeito fosse invisível?

6ª) Não sabemos que os Doze Patriarcas, filhos do bom Jacó, foram a fonte viva da Igreja de Israel e que quando seu pai os reuniu para abençoá-los (cf. Gênesis 49,1-2), viu todos eles e também eles viram uns aos outros? Mas por que me entretenho em citar estes exemplos? Porque toda a História Sagrada testemunha que a antiga Sinagoga foi visível. Então por que a Igreja Católica não deveria sê-lo?

7ª) Assim como os Patriarcas, pais da Sinagoga e de quem Nosso Senhor nasceu segundo a carne (cf. Romanos 9,5), fizeram a Igreja judaica visível, também os Apóstolos, com seus discípulos, filhos da Sinagoga segundo a carne e [filhos] de Nosso Senhor segundo o Espírito, deram origem visível à Igreja Católica, segundo o Salmista: “Por teus pais te nasceram filhos; tu os constituirás príncipes sobre toda a terra” (Salmo 44,17). Diz Arnóbio: “Por Doze Patriarcas te nasceram Doze Apóstolos” (Comment. Super Psalm., in Psalm. 85). Reunidos em Jerusalém com o reduzido séquito de seus discípulos e com a gloriosíssima Mãe do Salvador, estes Apóstolos fizeram a verdadeira Igreja. E como? Sem dúvida nenhuma, visível; mas visível de tal modo que o Espírito Santo veio regar visivelmente aquelas santas plantas e rebentos do Cristianismo (cf. Atos 2,8).

8ª) Como os judeus se alistavam no povo de Deus? Pela circuncisão, sinal visível; e nós: pelo batismo, sinal visível. Por quem os antigos foram governados? Pelos sacerdotes aarônicos, pessoas visíveis; e nós: pelos Bispos, pessoas visíveis. Quem pregou aos antigos? Os profetas e doutores, visivelmente; para nós, nossos pastores e pregadores, também visivelmente. Qual comida religiosa e sagrada tinham os antigos? O cordeiro pascal e o maná, tudo isso visível; e nós, o Santíssimo Sacramento da Eucaristia, sinal visível ainda que de coisa invisível. Por quem a Sinagoga foi perseguida? Pelos egípcios, babilônios, madianitas, filisteus, todos estes povos visíveis; e a Igreja, pelos pagãos, turcos, mouros, sarracenos, hereges, todos também visíveis. Ó Deus de bondade: ainda questionaremos se a Igreja é visível? Contudo, o que é a Igreja? Uma assembleia de homens de carne e osso. E diremos, todavia, que nada mais é que um espírito ou fantasma, que parece visível mas não o é senão por ilusão? Não, não! O que, portanto, isto vos perturba e de onde procedem esses pensamentos? Olhai para as vossas mãos, olhai para os vossos ministros, oficiais e governadores; vede seus pés, olhai vossos pregadores percorrendo do leste ao oeste, do sul ao norte: todos são de carne e osso. Tocai e vinde como filhos humildes atirar-vos ao colo desta doce mãe. Vede, considerai bem a ela, pois todo o seu corpo é belo; e vereis que é visível, pois uma coisa espiritual é invisível, não tem carne nem ossos, como enxergas que ela tem (cf. Lucas 24,38-39).

Eis aqui as nossas razões, que são boas e à toda prova. Porém, vossos ministros opõem algumas objeções que retiram, segundo lhes parece, da Escritura, muito fáceis de se rebater, desde que se considere o seguinte:

Primeiramente, Nosso Senhor tinha em sua humanidade duas partes: o corpo e a alma; do mesmo modo a Igreja, sua Esposa, tem duas partes: uma interior, invisível, que é como a sua alma – a fé, a esperança, a caridade, a graça – e outra exterior, visível como o corpo – a confissão da fé, os louvores e cânticos, a pregação, os Sacramentos, o Sacrifício. Com efeito, tudo o que se faz na Igreja tem seu exterior e interior: a oração interior e exterior (cf. Icoríntios 14,15); a fé que preenche o coração de segurança e a boca de confissão (cf. Romanos 10,9); a pregação que se faz exteriormente para os homens, mas que requer para isso a luz secreta do Pai celeste, pois é necessário sempre ouvi-la e aprender Dele antes de vir até o seu Filho (cf. João 6,44-45); e, quanto aos sacramentos, o sinal neles é exterior, porém a graça é interior. Quem não sabe disso? Eis aí, portanto, o interior e o exterior da Igreja.

A maior beleza encontra-se dentro; o que se enxerga não é tão excelente, como dizia o Esposo do Cântico dos Cânticos (4,1): “Teus olhos são olhos de pomba sem o que se encontrar oculto em seu interior; o mel e o leite encontram-se sob a tua língua”, isto é, em teu coração: esse é o interior (cf. Cântico 4,11); “e o odor dos teus vestidos, como o odor do incenso”: eis o serviço exterior. E diz o Salmista: “Toda a glória desta filha real está por dentro…” (Salmo 44,14), isto é, no interior; “…revestida por diversas espécies de franjas de ouro” (Salmo 44,15): eis o exterior.

Em segundo lugar, devemos considerar que tanto o interior quanto o exterior da Igreja, podem ser chamados de ‘espiritual’, mas de maneira distinta, pos o interior é puramente espiritual, por sua própria natureza; o exterior, por sua própria natureza é corporal, mas como tende e olha para o interior espiritual, é também chamado ‘espiritual’, como o faz São Paulo (Gálatas 6,1) acerca dos homens que tinham o corpo sujeito ao espírito, ainda que fossem corporais; e porque mesmo quando uma pessoa seja particular por sua natureza, se ela se dedica aos cargos públicos – como, por exemplo, os juízes – é também chamada ‘pública’.

Agora, se é dito que a Lei Evangélica foi gravada nos corações, interiormente, e não sobre as tábuas de pedra, exteriormente, como diz Jeremias (31,83), deve-se reponder que no interior da Igreja e em seu coração encontra-se todo o principal da sua glória; que não deixa de resplandecer até mesmo no exterior, que a faz ser vista e reconhecida. Com efeito, quando se diz no Evangelho que “ chegarará a hora em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade” (João 4,23), se nos está ensinando que o interior é o principal e que o exterior é vão se não tender e não for para o interior, para aqui se espiritualizar.

Do mesmo modo, quando São Pedro chama a Igreja de ‘casa espiritual’ (1Pedro 2,5) é porque tudo o que parte da Igreja tende à vida espiritual; porque a sua maior glória é interior, ou melhor, porque não é uma casa feita de cal e areia, mas uma casa mística de pedras vivas para a qual a caridade serve de fundamento.

A Santa Palavra diz que “o Reino de Deus não vem com observação” (Lucas 17,20): o Reino de Deus é a Igreja, logo a Igreja é invisível. Resposta: o Reino de Deus, nesta passagem, é Nosso Senhor com a sua graça, ou, se preferirdes, a companhia de Nosso Senhor enquanto esteve no mundo, do que se segue: “pois eis aqui o Reino de Deus que está entre vós” (Lucas 17,21); e este Reino não compareceu aqui com o aparato e o fausto de uma magnificência mundana, como acreditavam os judeus, pois, como foi dito, a joia mais bela desta filha de reis encontra-se dentro, oculta, e não pode ser vista.

E quanto ao que São Paulo disse aos Hebreus (12,18.22), “nós não viemos a uma montanha apalpável, como a do Sinai, mas a uma Jerusalém celeste”, não tem o objetivo de tornar invisível a Igreja, pois São Paulo ensina nesta passagem que a Igreja é mais magnífica e mais rica que a Sinagoga, não sendo uma montanha natural como a do Sinai, mas mística; disto não se segue qualquer invisibilidade. Ademais, pode-se dizer, com razão, que ele fala na verdade da Jerusalém celeste, isto é, da Igreja triunfante, pois ele acrescenta a “multidão dos anjos”, como se quisesse dizer que, na Lei antiga, Deus foi visto, na montanha, de um modo aterrador e que, na Nova, nos conduz para vê-Lo em sua glória no mais alto dos céus.

Por fim, eis aqui o argumento que cada um diz, gritanto, ser o mais forte: creio na Santa Igreja Católica; se eu creio nela, eu não a vejo; logo, a Igreja é invisível. Há alguma coisa no mundo algo mais frágil do que esse fantasma da razão? Os Apóstolos não creram que Nosso Senhor Jesus Cristo ressuscitou e, no entanto, o viram? Ele mesmo disse a São Tomé: “Creste porque me viste” (João 20,29); e para convertê-lo em crente, disse-lhe: “Olha minhas mãos e coloca tua mão no meu lado, e já não sejas incrédulo, mas fiel” (João 20,27). Vede, pois, como a visão não impede a fé, mas a produz; pois São Tomé viu uma coisa e acreditou em outra: viu o corpo e acreditou no espírito e na divindade, pois a vista não o ensinou a dizer “Meu Senhor e meu Deus” (João 20,28), mas a fé. Assim, crê-se no Batismo para a remissão dos pecados: vê-se o Batismo, mas não a remissão dos pecados. Vê-se a Igreja, mas não a sua santidade interior. Vê-se seus “olhos de pomba”, mas não se crê no “que está oculto dentro deles” (Cântico 4,1). Vê-se sua “túnica ricamente ornada com uma beja variedade de franjas de ouro” (Salmo 44,14-15), mas o mais claro resplendor de sua glória encontra-se dentro e nisto cremos.

Há, nesta Esposa real (=a Igreja), [recursos para] recriar o olho interior e o exterior, a fé e os sentidos; e tudo isso é assim para a maior glória do seu Esposo (=Jesus Cristo).

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