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MARIA, MÃE DE DEUS Parte II

MARIA, MÃE DE DEUS

Parte II

Voltemos a comentar sobre um assunto que está sendo colocado em dúvida pelos novos hereges da atualidade, novos apenas por viverem na atualidade, pois, as heresias são as mesmas, ao falar do Logos” que se transformou em carne através de uma virgem, Maria, a Theotokos” (orações contra os Arianos, I,42), Atanásio ecoava a linguagem da devoção popular. Porém ele já começara a revestir esse título da racionalidade que ajudaria a defendê-lo dos ataques que sofreu meio século após a sua morte. Como Newman sugeriu em seu livro Os arianos do século IV, o povo era ortodoxo mesmo quando os bispos não o eram (John Henry Newman, “The orthodoxy of the body of the faithful during The supremacy oficial arianism”, in The Arians of the forth century, 3° edição, Londres,1871, pp. 457-472. Em seu uso do vocabulo “Theotokos”, assim como em seu emprego de outros títulos e metáforas, Atanásio se associou à ortodoxia da devoção popular e a desafrontou. A ideia de lex orandi lex credenti, que na devoção cristã tinha um conteúdo normativo doutrinário que precisava ser esclarecido, parecia ter sido formulada pouco depois da época de Atanásio. Mas evidentemente seu trabalho teve como base algumas dessas ideias.

O conteúdo normativo da devoção também se tornou evidente em outro contexto, quando Atanásio se utilizou da “comemoração de Maria” para resgatar a ortodoxia de sua doutrina. Ele o fez pelo menos em dois de seus escritos. A mais importante de suas composições literárias foi a carta a Epicteto, que teve grande divulgação em grego, latim, sírio e armênio nos séculos posteriores, sendo citada nos decretos do Concílio de Éfeso de 431 e no Concilio da Calcedônia de 451. Depois da derrota do arianismo, ela parece ter voltado à tona pela recrudescência da antiga heresia docética que negava a total humanidade de Jesus ou afirmava que ele não possuía um corpo genuinamente humano. Algumas pessoas chegavam ao extremo de asseverar que o corpo de Cristo fora feito da mesma essência [homoousion] do Logos (Atanásio, carta a Epicteto, 9. Essa nova forma de docetismo, sobre cujos ensinamentos os estudiosos de hoje ainda não concordam, é frequentemente vista como precursora da teologia apolinarista. Em sua resposta, Atanásio fundamentava sua argumentação nas“divinas Escrituras” e nos decretos dos “padres reunidos em Nicéia”, acusando os neodocetistas de sobrepujarem até mesmo os arianos: “Os senhores foram mais longe na impiedade que qualquer heresia. Pois, se o Logos possui a mesma essência do corpo, a comemoração e o ofício de Maria são supérfluos [peritte tes Maria he mneme kazi he chreia] ” ( Atanásio, carta a Máximo, o filósofo,3). E em sua carta a Máximo, combatendo a doutrina que afirmava que o Logos se tornara homem como consequência necessária de sua própria natureza, Atanásio novamente declarou: “Se assim fosse, a comemoração de Maria seria supérflua”. Seu ponto de Vista nos parece bem claro: Maria era considerada novamente, como fora por padres antignósticos, a garantia da verdadeira humanidade de Jesus Cristo.

Menos claro é o caráter preciso da “comemoração” a qual Atanásio se refere. Se a palavra grega mneme significasse simplesmente “memória”, como no Novo Testamento e em outros textos (2pedro 1,15″tenhais lembranças dessas coisas”), ele estaria argumentando que a lembrança de Maria, santificada no Credo ou em preces comemorativas, necessariamente traria consigo a implicação de que a humanidade de Cristo teria se originado nela e não preexistiria desde a eternidade. Porém mneme algumas vezes tinha um significado técnico na formação do calendário cristão, referindo-se ao aniversário de um santo ou mártir (São Basílio, cartas, 93).” Martin Jugie, em seus estudos sobre os primeiros festivais devotados a Maria no Ocidente, discordou que a mneme de Maria mencionada nos primeiros documentos do século V se referisse ao aniversário de sua morte ou “sono” [koimesis] afirmando que se relacionava com o aniversário de sua“natividade”, que pode ter significado seu ingresso no Céu. Em seu grande estudo posterior sobre a morte e ascensão da Virgem, ele repetiu, corrigiu e ampliou essa argumentação. Entretanto para nós esse problema é secundário. Seria a expressão Tes Marias he mneme uma referência a alguma festividade marista? Há algumas evidências da existência de um festival denominado a mneme de Maria, celebrado no primeiro domingo depois do Natal, porém elas não se estendem até a época de Atanásio. Todavia, tanto essas evidências como sua linguagem parecem corroborar a possibilidade de que uma celebração de Maria já existia durante sua época e que sua argumentação foi feita com base nela.

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Assim, ele afirmara que não haveria justificativa para um festival comemorativo da Virgem Maria, a Theotokos, se ela não tivesse desempenhado um papel importante na história da salvação. Ela pertencia ao Novo Testamento, não ao Velho, e não fora lembrada, a exemplo dos antigos santos de Israel, como uma profetisa da vinda de Cristo. Em vez disso, ela tivera uma função ou cargo, (chreia): fora escolhida e incumbida da missio por meio da qual o Logos incriado recebera sua criada humanidade. E de fato esse ministério, chreia, era celebrado com gratidão na observância de sua mneme, ou celebração de Maria. O ministério (chreia) era um fato na história da salvação, a comemoração (mneme) , um fato consumado na prática cristã. Tanto o credo como o calendário da Igreja testemunhavam a doutrina de que a natureza humana de Cristo era a de uma criatura e que a natureza divina de Cristo não era a de um homem. A prova da ligação entre o homem Cristo e a humanidade era “a comemoração e o oficio de Maria”, que seria supérflua se a humanidade de Cristo fosse uma espécie de componente de sua preexistência como o Logos de Deus. Apesar de as evidências deixarem claro que é inegável o fato de que Atanásio jamais elaborou uma justificativa satisfatória para as implicações da total e verdadeira humanidade do Senhor como ele o fez com relação a sua divindade, também Fica evidente que ambos os aspectos de sua “dupla explicação” estavam voltados para a autoridade da fé ortodoxa.

Na composição e identificação dessa autoridade, o culto e a devoção da Igreja eram vistos como elementos importantes na definição do que Atanásio, na conclusão de sua Carta a Epicteto, denominou “a profissão da fé devocional e ortodoxa” [he homologia tes eusebous kai orthodoxous pisteos] (Atanásio, carta a Epicteto,2). Se Maria era Theotokos, como a linguagem da devoção declarara, a relação entre a divindade e a humanidade de Jesus Cristo deveria ser de tal sorte que justificasse esse termo aparentemente incongruente, e por isso foi necessária a elaboração da doutrina da “comunicação das propriedades”. Se Maria teve a função de “revestir” o Logos de uma autêntica e, portanto, criada humanidade, como a “comemoração de Maria” e a prática da devoção cristã declararam, nenhuma aversão a carne e ao sangue seria permitida para macular a doutrina da encarnação. Para ser considerada dogma da Igreja, a doutrina precisaria não apenas se sujeitar é tradição apostólica — como registrada nas Escrituras e em testemunhos, como os decretos do Concilio de Nicéia — mas também ao culto e à devoção da Igreja católica e apostólica.

A condição humana de Maria em relação a Cristo ainda apontava para outra linha de desenvolvimento, isto é, para a tarefa de especificar de modo mais acurado a maneira de lidar com mais propriedade com os atributos mal empregados pela heresia. No Século IV, a maioria das controvérsias girava em torno de predicados como homoousios ou Theotokos. Porém a literatura sobre as controvérsias também sugere que a definição de heresia era a má interpretação de um atributo, para a qual a resposta Ortodoxa foi um esclarecimento mais preciso. A resposta satisfatória foi encontrada apenas pelo Concílio de Éfeso e em épocas posteriores a ele, porém atualmente, com a visão proporcionada pelo distanciamento, ela é considerada como o primeiro estágio do desenvolvimento da controvérsia ariana.

Nas palavras de Henry Gwatkin, a heresia ariana “degradou o Senhor dos Santos, colocando-o no mesmo nível de suas criaturas”. Ela atribuía a Cristo mais do que imputava a qualquer outro santo, porém menos do que era atribuído a suprema Divindade. A doutrina ariana concernente aos santos não é fácil de ser reconstituída a partir de seus fragmentos, apesar de sabermos que a Thalia de Arius falava dos “eleitos de Deus e dos homens sábios de Deus, seus sagrados filhos” (citação de Atanásio, Orações contra os arianos, 1,5). Há alguma evidência de que certas lendas sobre os santos foram transmitidas por fontes arianas,” mas estamos mais bem informados a respeito da Visão ariana sobre as relações entre Cristo e os santos. Segundo a carta dos arianos endereçada a Alexandre de Alexandria, O Logos era “uma criatura perfeita de Deus, que não se comparava a uma de suas criaturas” (Citação em Atanásio, sobre os Concílios de Arímino e Seleucia,16; pois ele fora uma criatura através da qual Deus fizera todas as outras. Portanto, a “superioridade” dessa criatura sobre todas as outras consistia no fato de ter sido criada diretamente por Deus, enquanto as outras haviam sido criadas através do Logos. Consequentemente, o Logos era perfeito em sua preexistência, mas em sua carreira terrena ele se tomara perfeito. Ao retratar o homem Jesus Cristo, o arianismo parecia ter combinado a negação da presença de uma alma humana em sua pessoa com a doutrina de Paulo de Samosata, que afirmava que ele se tornara merecedor da condição de “Filho de Deus” por seu “progresso moral” [prokope] ((Citação em Atanásio, sobre os Concílios de Arímino e Seleucia 26). Supunha-se que os arianos acreditavam que Deus o elegera “pela presciência” de que Cristo não se rebelaria contra ele e iria, “por cuidado e autodisciplina” [dia epimeleian kai askesin], triunfar sobre sua “natureza mutável” e permanecer “fiel“ (citação de Teodoro, História eclesiástica, 1, 12-13). Como a condição de filho do Logos era um atributo de sua perfeição como criatura, e a qualidade de filho de Deus do homem Jesus era consequência de sua perfeita obediência, a diferença entre a sua condição de filho e a natureza dos santos era quantitativa e não qualitativa. Pela obediência perfeita os santos poderiam, no final, atingir o mesmo estado de merecimento.

A doutrina ariana, afirmando que os santos eram participes da condição de Cristo como filho de Deus, tinha sua contraparte no preceito de Atanásio que declarava essa participação através da “divinização”. “Por nossa ligação com seu corpo também nos tornamos o templo de Deus e, como consequência, nos transformamos em filhos de Deus, de tal modo que, até mesmo em nós, o Senhor está sendo reverenciado” (Atanásio, oração contra os arianos, 1,43). Os santos não atingiriam a condição de filho pela imitação de Cristo, mas, essencialmente, pela sua transformação por Cristo, que, segundo o famoso preceito atanasiano, se tornou humano para que os santos pudessem se tornar divinos. São Atanásio não acreditava que essa transformação e divinização fossem possíveis apenas porque o Logos era Criador e não criatura. O Salvador era o mediador entre Deus e a humanidade apenas porque ele próprio era Deus. Ele não atingira um novo status por ser o maior de todos os santos, mas fora restaurado a seu status eterno depois de cumprir na Terra a missão para a qual fora enviado como homem. Porém, os santos se tornaram filhos de Deus, criaturas nas quais o Criador habitava de modo tão completo que Ele podia ser cultuado neles. Esse foi o atributo que o arianismo tentou imputar a Cristo, uma criatura na qual o Criador, habitava tão plenamente que Deus podia ser adorado em sua pessoa, o maior de todos os santos e, portanto, mediador entre Deus e a humanidade.

Traçando uma linha divisória entre o Criador e a criatura e confessando que o Filho de Deus se encontrava ao lado de Deus, a ortodoxia nicena tornava possível e necessária a distinção qualitativa entre ele e até mesmo o maior dos santos, entre sua mediação incriada e sua intercessão criada. Agora que as afirmações arianas estavam mudadas, o que aconteceria com todos esses atributos? O que analisamos até o momento no marismo de Atanásio parece indicar que, em um sentido bastante diverso do que foi inferido por Harnack,“tudo o que os arianos ensinaram sobre Cristo, a ortodoxia passou a ensinar sobre Maria”, de modo que esses atributos da criatura não mais se aplicavam a Jesus Cristo, Filho de Deus, mas à Virgem Maria, Mãe de Deus. O retrato de Maria na Carta as virgens, de Atanásio, concorda com a descrição ariana do Filho de Deus, afirmando que ela “fora escolhida porque, apesar de mutável por natureza, seu esmerado caráter não sofrera nenhuma deterioração”. Atanásio falou de seu “progresso” e talvez até tenha usado a palavra prokope [progresso moral] , que os arianos empregaram para Cristo (Atanásio, carta às virgens.Segundo Atanásio, a evolução de Maria envolveu conflitos, dúvidas e pensamentos maus, mas ela triunfou sobre eles e assim conseguiu se tornar “a imagem e o modelo” de virgindade para todos os que buscam a perfeição, isto é, a maior de todos os santos. Como mencionamos anteriormente na análise de toda a sua doutrina, a linguagem devocional (Theotokos, “Mãe de Deus”) e a prática piedosa (mneme, “comemoração”) que estavam por trás do marismo de Atanásio eram o principal exemplo de que uma criatura pode se tornar merecedora de culto por ter se tornado a morada do Criador. O hino no qual Atanásio talvez tenha encontrado o titulo Theotokos era o original grego da conhecida versão latina Sub tuum praesidium, que possivelmente deu origem a esse culto.

Para outras controvérsias, é necessário procurar maiores esclarecimentos sobre a doutrina, mas ao esclarecermos esta polêmica podemos ver que, já em Atanásio, ela se constituiu em uma evolução, pela especificação do assunto. Quando esse desenvolvimento realmente aconteceu, apareceu em primeiro lugar, e mais plenamente, nos países de língua grega do Oriente, onde a pressuposição ascética e devocional da doutrina de Maria já estava presente muito antes de surgir no Ocidente.

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