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O DIA EM QUE O PAPA ENTREGARÁ ÀS CHAVES DA IGREJA A JESUS CRISTO

O DIA EM QUE O PAPA ENTREGARÁ ÀS CHAVES DA IGREJA A JESUS CRISTO

TEXTO DO TEÓLOGO RUSSO, VLADIMIR SOLOVIEV: breve relato do anticristo

Após um período de uma grande guerra mundial, fome e desgraça, aparece aquele que dará solução aos problemas desse mundo

O Papado há muito fora expulso de Roma, e após muito vaguear encontrou refúgio em São Petesburgo, com a condição de evitar qualquer proselitismo ali e em todo o país.

Os principais dirigentes da política européia, que pertenciam à poderosa irmandade maçônica, ressentiam a falta de um poder executivo comum. A unidade européia que tinha sido obtida a um custo exorbitante estava prestes a se estilhaçar. Não havia qualquer unanimidade no Conselho da União, pois nem todos os assentos estavam nas mãos dos maçons.

O Imperador sobre-humano entendeu o que a massa desejava. Naquele tempo um grande mágico, abrigado em uma densa nuvem de fatos estranhos e histórias selvagens, veio até ele em Roma do Extremo Oriente. Um rumor, que se espalhou entre os neo-budistas, concedia a ele a origem divina em uma relação do deus-sol Suria e alguma ninfa dos rios. Esse mágico, Apolônio seu nome, era sem dúvida um homem de gênio. Metade europeu, metade asiático, um bispo católico in partibus infidelium, combinava em si mesmo de maneira marcante as últimas aplicações e conclusões da ciência ocidental com a arte de utilizar tudo que era verdadeiro e saudável no misticismo oriental. Os resultados dessa combinação eram

Em um único ano, uma monarquia realmente universal no sentido próprio e verdadeiro da palavra se estabeleceu. As raízes das guerras foram radicalmente destruídas. A Liga Universal da Paz se encontrou pela última vez, e tendo realizado um panegírico exaltado ao Grande Pacificador, dissolveu-se devido à sua presente e futura irrelevância.

No começo de seu segundo ano de reinado, o Imperador Mundial publicou um manifesto: “ Nações do Mundo! Eu lhes prometi a paz, e enfim a realizei. Mas a paz só é jubilosa com prosperidade.

Na Rússia, o Papado rapidamente se simplificou. Deixando praticamente intocado o número de seus colégios e ofícios, foi obrigado a infundir em seus trabalhos um espírito mais fervoroso, e a reduzir ao máximo seus rituais e cerimônias elaborados. Muitos costumes estranhos e sedutores, apesar de não serem completamente abolidos, caíram por si mesmos em desuso. Em todos os outros países, particularmente na América do Norte, o sacerdócio católico ainda tinha um bom número de representantes dotados de uma forte vontade, energia inexaurível, e caráter independente, o que permitiu fundir a Igreja Católica em uma unidade desconhecida no passado, preservando sua importância internacional e cosmopolita.

Quanto ao Protestantismo, que ainda era liderado pela Alemanha, especialmente desde a união da maior parte da Igreja Anglicana à Igreja Católica – o Protestantismo tinha se purgado de suas tendências excessivamente negativas, e os apoiadores dessas tendências decaíram na apatia e na descrença religiosa. A Igreja Evangélica continha agora somente aqueles que eram sinceramente religiosos. comandada por pessoas que combinavam um vasto conhecimento com um sentimento religioso profundo e um desejo crescente de trazer à vida em suas próprias pessoas a imagem viva do verdadeiro Cristianismo antigo. A Ortodoxia Russa, após os eventos políticos que alteraram a posição oficial da Igreja, perdera muitos dos seus milhões de falsos membros nominais; mas ganhara o júbilo da unidade com a melhor parte dos “velhos crentes”, até mesmo com os mais profundamente sectários. A Igreja revivificada, apesar de não crescer em números, começou a crescer na força do espírito, a qual revelou particularmente na luta com as numerosas seitas extremistas (algumas não inteiramente carentes de elementos demoníacos e satânicos) que estabeleceram raízes no povo e na sociedade.

Nos primeiros dois anos do novo reinado, todos os cristãos, temerosos e cansados da quantidade de revoluções e guerras precedentes, olhavam para seu novo senhor e suas reformas pacíficas em parte com esperança benevolente e em parte com simpatia sem reservas e até mesmo entusiasmo fervoroso.

Mas no terceiro ano, assim que o grande mágico fez sua aparição, sérios temores e antipatia começaram a crescer nas mentes de muitos ortodoxos, católicos e protestantes. O Evangelho e os textos apostólicos que falavam do Príncipe deste Mundo e do Anticristo eram agora lidos com mais cuidado e davam margem a conversas acaloradas. O Imperador logo percebeu alguns sinais de que uma tempestade estava se formando e resolveu encerrar o assunto apressadamente. No começo do quarto ano de seu reinado, publicou um manifesto a todos os verdadeiros cristãos, sem distinção de igrejas, convidando-os a eleger ou apontar representantes de peso para o congresso mundial a ser realizado sob sua presidência.

Naquele tempo, a residência imperial foi transferida de Roma a Jerusalém. A Palestina já era uma província autônoma, habitada e governada principalmente por judeus. Jerusalém era uma cidade livre e agora imperial. Os locais sagrados cristãos permaneceram intocados,mas, sobre toda a grande plataforma de Haram-esh-Sheriff, passando por Birket-Israin e as tendas até a mesquita de El-Ax e o estábulos de Salomão, foi erigido um imenso prédio, que incorporava além das duas pequenas mesquitas antigas, um enorme templo imperial para a unificação de todos os cultos, e dois palácios imperiais luxuosos com bibliotecas, museus e apartamentos especiais para experimentos mágicos e exercícios. Era nesse prédio metade templo, metade palácio, que o congresso iria se realizar em 14 de setembro. Como a Igreja Evangélica não tem qualquer hierarquia no sentido próprio da palavra, a hierarquia católica e ortodoxa, seguindo o pedido expresso do Imperador, e para que que uma maior uniformidade de representação se desse, decidiu admitir aos procedimentos do congresso um certo número de membros laicos conhecidos por sua piedade e devoção aos interesses da Igreja.

Entre os membros presentes, três homens eram particularmente conspícuos. O primeiro era o Papa Pedro II, que comandava legitimamente a parte católica do congresso. Seu predecessor falecera a caminho do Congresso, e um conclave foi realizado em Damasco, o qual elegeu com unanimidade o Cardeal Simone Barionini, que tomou o nome de Pedro. Ele era de origem plebéia, da província de Nápoles, e tinha se tornado famoso como pregador da Ordem Carmelita, tendo obtido grande sucesso em sua luta contra uma seita satânica que vinha se espalhando em São Petesburgo e imediações, seduzindo não somente os ortodoxos mas também os fiéis católicos.

O novo Papa não tinha confiança alguma no Imperador, e olhava para ele com um olhar desaprovador, ainda mais com o fato de que o Papa recém-falecido, dobrando-se à pressão do Imperador, tinha tornado cardeal o Chanceler Imperial e grande mágico do mundo, o exótico Bispo Apolônio, que Pedro considerava um católico duvidoso e quase certamente uma fraude.

O líder efetivo, mas não oficial, dos membros ortodoxos era o Ancião João, muito conhecido do povo russo. Oficialmente, ele era considerado um bispo aposentado, mas não vivia em um monastério, permanecendo sempre em viagem ao redor do mundo. Muitas histórias lendárias circulavam sobre ele. Algumas pessoas acreditavam que era Feodor Kuzmich, isto é, o Imperador Alexandre I, que tinha falecido há três séculos e agora retornava à vida. Outros iam além e diziam que ele era o verdadeiro Ancião João, isto é, o apóstolo João, que nunca morrera e que agora reaparecera nos últimos dias.

Liderando os membros evangélicos estava o mais culto dos teólogos alemães, o Professor Ernst Pauli. Ele era um homem baixo e sábio, com uma grande testa e nariz e uma face perfeitamente barbeada. Seus olhos se distinguiam por uma ferocidade peculiar, mas ainda assim eram suaves.

A abertura do congresso foi imponente. Dois terços do imenso templo, devotado à unificação de todos os cultos, estavam coberto de bancos e outros arranjos para os membros do congresso. O outro terço era tomado por uma plataforma elevada onde foram colocados o trono do Imperador e um trono menor um pouco abaixo, destinado ao grande mágico – que era ao mesmo tempo cardeal e chanceler imperial – e atrás deles fileiras de poltronas para os ministros, cortesãos e oficiais, enquanto ao lado estavam fileiras ainda mais longas de poltronas destinadas a não se sabia quem.

A galeria estava tomada pela orquestra, enquanto na praça adjunta foram instalados regimentos de guardas e uma bateria de armas para os salves triunfais. Os membros do congresso já tinham comparecido às cerimônias respectivas nas várias igrejas: a abertura do congresso seria completamente laica. Quando o Imperador, acompanhado pelo grande mágico e sua corte, fez sua entrada, a banda começou a tocar a “ Marcha da Humanidade Unificada”, que era o hino internacional do Império, e todos os membros se levantaram, e, abanando seus chapéus, ecoaram três gritos entusiasmados: “Vivat! Hurrah! Hoch!” O Imperador, de pé em frente ao trono e estendendo sua mão com um ar de benevolência majestosa, proclamou com uma voz agradável e sonora: “ Cristãos de todas as denominações! Meus amados súditos, irmãos e irmãs! Desde o começo de meu reinado, que o Altíssimo abençoou com feitos gloriosos e maravilhosos, não encontrei nenhum motivo para me decepcionar com vocês. Vocês sempre realizaram suas tarefas em consonância com sua fé e consciência. Mas isso não é suficiente para mim. Meu amor sincero, meus caros irmãos e irmãos, exige reciprocidade. Desejo ser reconhecido como seu verdadeiro líder em toda e qualquer iniciativa executada para o bem-estar da humanidade, não por um mero senso de dever, mas sim pelo amor que vocês têm por mim. Portanto, além do que faço para todos, estou prestes a lhes mostrar a minha benevolência especial. Cristãos! O que posso lhes dar? O que posso lhes dar, não como súditos, mas como correligionários, meus irmãos e irmãs! Cristãos! Digam-me o que é a coisa mais preciosa do Cristianismo para vocês, afim de que direcione meus esforços neste sentido!

Parou por um momento, esperando uma resposta. O salão reverberava com sons abafados. Os membros do congresso consultavam uns aos outros. O Papa Pedro, com gestos ardorosos, explicava algo a seus seguidores. O Professor Pauli, balançava sua cabeça e mordia ferozmente seus lábios. O Ancião João, dobrando-se diante dos bispos e monges orientais tranquilamente tentava transmitir algo a eles.

Após esperar alguns minutos, o Imperador novamente se dirigiu ao congresso com o mesmo tom educado, no qual, no entanto, podia-se ouvir uma nota rarefeita de ironia: “ Caros cristãos”, disse ele, “Eu entendo como lhes é difícil me dar uma resposta direta. Vou ajudar-lhes. Desde tempos imemoriais, vocês caíram na infelicidade da divisão em várias denominações e confissões, de forma que hoje quase nada têm em comum. Como não conseguem concordar entre si, espero trazer a harmonia dando a cada denominação o mesmo amor e a mesma disposição em satisfazer o verdadeiro desejo de cada uma. “Caros cristãos! Sei que para muitos, e não os menores, a coisa mais valiosa do Cristianismo é a autoridade espiritual dada a seus representantes legais – claro que não para seu benefício pessoal, mas para o bem comum, já que sobre essa autoridade reside a verdadeira ordem espiritual e a disciplina moral necessária a todos. Caros irmãos e irmãs católicas! Quão bem compreendo sua visão de mundo, e como desejaria basear meu poder imperial na autoridade de sua liderança espiritual! Para que vocês não creiam que isso é somente adulação e palavras ao vento, eu, doravante, declaro solenemente que agrada ao poder autocrático que o Supremo Bispo de todos os católicos, o Papa de Roma, seja restaurado a seu trono em Roma com todos os antigos direitos e privilégios associados a seu título e concedidos por meus predecessores, de Constantino em diante.

“Em troca, irmãos e irmãs católicos, desejo receber somente seu reconhecimento amoroso de minha pessoa como seu único protetor e patrono. Que aqueles que aqui me reconhecem em seus corações e consciências como seu único protetor e patrono se dirijam para o lado!” E aí apontou as cadeiras vazias da plataforma. E instantaneamente, quase todos os príncipes da Igreja Católica, bispos e cardeais, a maior parte do laicato e quase todos os monges, proclamando com exultação “Gratias agimus! Domine! Salvum fac Magnum imperatorem!”, ergueram-se à plataforma, e, inclinando humildemente suas cabeças diante do Imperador, tomaram seus assentos.

Abaixo, no entanto, no meio do salão, reto e impávido, como uma estátua de mármore, permanecia o Papa Pedro II em seu assento. Todos aqueles que o cercavam estavam agora na plataforma. Mas a diminuta multidão de monges e fiéis que permanecia abaixo se moveu cada vez mais próxima dela, formando um denso círculo a seu redor. E podia-se escutar o murmúrio controlado que deles emergia: “Non praevalebunt, non praevalebunt portae inferni”.

Com um olhar preocupado direcionado ao Papa imóvel, o Imperador novamente ergueu sua voz: “Caros irmãos e irmãs! Eu sei que há entre vocês muitos para os quais a coisa mais preciosa no Cristianismo é a tradição sagrada – os antigos símbolos, os antigos hinos e orações, os ícones e rituais antigos. O que, de fato, poderia ser mais precioso para uma alma religiosa? Saibam, então, meus amados, que hoje eu assinei um decreto e separei vastas somas de dinheiro para o estabelecimento de um museu mundial de arqueologia cristã em nossa gloriosa cidade imperial, Constantinopla.

“Esse museu deverá ter o objetivo de coletar, estudar, e resgatar todos os monumentos da Igreja antiga, mais particularmente da Igreja Oriental; e peço que selecionem amanhã um comitê para decidir as medidas a serem tomadas, de forma que a vida moderna, a moral e o costumes sejam organizados o mais próximo possível das tradições e instituições da Sagrada Igreja Ortodoxa.”

“ Meus irmãos e irmãs ortodoxos! Aqueles de vocês que favorecem esse desejo meu, que podem em sua consciência interior me chamar de verdadeiro líder e senhor, subam até mim!” Nesse momento a maior parte da hierarquia do Oriente e do Norte, metade dos antigos velhos crentes e mais da metade do clero, dos monges e do laicato ortodoxo se ergueu com exclamação jubilosa à plataforma, lançando olhares suspeitos aos católicos, que já ocupavam orgulhosamente seus assentos. Mas o Ancião João permanecia em seu lugar, e suspirou bem alto. E quando a multidão ao seu redor se afinou grandemente, deixou seu assento e se juntou ao Papa Pedro e seu grupo. Foi seguido pelos outros ortodoxos que não subiram à plataforma. Então o Imperador falou novamente: “ Estou ciente, caros cristãos, que há muitos dentre vocês que valorizam supremamente a posse pessoal da verdade e o livre exame das Escrituras. Não preciso aqui desenvolver minha visão acerca do assunto. Talvez vocês saibam que, na minha juventude, escrevi um longo livro sobre o criticismo bíblico, que gerou muitos comentários excitados e criou a base de minha popularidade e reputação. Em memória disso, presumo eu, a Universidade de Tubingen poucos dias atrás pediu que aceitasse o título de Doutor em Teologia honoris causa. Respondi que aceito com todo o prazer e gratidão.

“E hoje, simultaneamente como o decreto do Museu de Arqueologia Cristã, assinei outro decreto estabelecendo um instituto mundial para o livre exame das Sagradas Escrituras de todos os pontos de vistas e em todas as direções possíveis, e para o estudo das ciências subsidiárias – para cujo fim reservo aqui e agora um milhão e meio de marcos. Conclamo a todos que olham com sinceridade para esse ato de boa vontade de minha parte e que são capazes de reconhecer-me, com sentimento verdadeiro, como líder soberano, que subam até o novo Doutor em Teologia.”

Um estranho e sutil sorriso atravessou levemente os belos lábios do grande homem. Mais da metade dos doutos teólogos se moveu para a plataforma, mas de forma lenta e hesitante. Todos olhavam para o Professor Pauli, que parecia enraizado em seu assento. Ele abaixou sua cabeça, curvou-se e retraiu-se.

Os doutos teólogos que já tinham chegado à plataforma pareciam se sentir estranhos, e um deles subitamente abaixou suas mãos em renúncia, e, tendo pulado escada abaixo, correu para o Professor Pauli e seus companheiros e lá ficou. Nesse momento, o Professor ergueu sua cabeça, se levantou sem parecer ter algum objetivo definido, e passou então pelos bancos vazios, acompanhado por seus correligionários que tinham resistido à tentação.Tomou seu assento ao lado do Ancião João, do Papa Pedro e de seus seguidores. A maior parte dos membros, incluindo agora quase todos os hierarcas do Oriente e do Ocidente, estavam na plataforma. Abaixo permaneciam apenas três grupos de membros, se aproximando cada vez mais ao redor do Ancião João, do Papa Pedro e do Professor Pauli. Agora, com uma voz ofendida, o Imperador a eles se dirigiu: “ O que mais posso dar a vocês, povo estranho? O que querem de mim? Não posso compreender. Digam-me vocês mesmos, cristãos, abandonados pela maioria de seus amigos e líderes, condenados pelo sentimento popular. O que vocês mais valorizam no Cristianismo”

Foi aí que o Ancião João se levantou com uma vela branca e respondeu calmamente: “Grande Soberano! O que mais valorizamos no Cristianismo é o próprio Cristo – em sua pessoa. Tudo vem dele, pois sabemos que nele reside a plenitude da Divindade em carne. Estamos prontos, senhor, para aceitar toda dádiva de sua parte, desde que reconheça a mão do Cristo em sua generosidade. Nossa cândida resposta à sua pergunta, sobre o que pode fazer por nós, é esta: Confesse agora e diante de nós o nome de Jesus Cristo, o Filho de Deus, que veio na carne, se ergueu, e que retornará – Confesse seu nome, e nós o aceitaremos com todo amor como o antecessor de sua gloriosa segunda vinda”

O Ancião terminou sua fala e fixou seus olhos na face do Imperador. Uma mudança terrível tinha se operado nela. Uma tempestade infernal agitava seu interior, como aquela que ele experimentou na fatídica noite. Tinha perdido completamente seu equilíbrio interior, e concentrava todos os seus pensamentos na preservação do controle exterior, para não se trair de forma inoportuna. Estava realizando um esforço sobre-humano para não se lançar com urros selvagens sobre o Ancião João e despedaçá-lo com seus dentes.

Subitamente ouviu uma voz familiar de outro mundo: “ Permanecei em silêncio e nada temas! “ Ele permaneceu então em silêncio. Somente sua face, lívida como a morte, parecia distorcida e seus olhos esbugalhados. Enquanto isso, ainda durante a fala do Ancião João, o grande mágico, adornado de seu manto tricolor que cobria quase toda sua púrpura cardinalícia, podia ser visto manipulando freneticamente algo oculto abaixo dele. Os olhos do mágico estavam fixos e brilhantes, e seus lábios se moviam levemente. Através das janelas abertas do templo uma imensa nuvem negra podia ser vista cobrindo o céu. Logo, a completa escuridão se instalou.

O Ancião João, impressionado e assustado, olhou para a face do Imperador silencioso. Subitamente voltou a si e, virando-se para seus seguidores, gritou com uma voz esmaecida: “Pequeninos, é o Anticristo!”

Nesse momento, um grande raio atravessou o templo, seguido de um estrondo ensurdecedor. Ele acertou o Ancião João. Todos ficaram estupefatos por um segundo, e quando os cristãos emudecidos recuperaram os sentidos, o Ancião se encontrava morto no chão.

O Imperador, pálido mas calmo, se dirigiu à assembléia: “Vocês testemunharam o julgamento de Deus. Eu não desejava tirar a vida de ninguém, mas o meu Pai Celestial vingou seu filho amado. Acabou. Quem se oporá ao Altíssimo? Secretários, escrevam isto: O Concílio Ecumênico do Todos os Cristãos, após um tolo oponente da Majestade Divina ser alvejado pelo fogo do céu, reconheceu unanimemente o soberano Imperador de Roma e de todo o Universo como líder supremo e senhor”

De repente uma palavra, alta e distinta, atravessou o templo: “Contradicatur!” O Papa Pedro se ergueu. Sua face se avermelhou de sangue, e,tremendo de indignação, ergueu seu cajado na direção do Imperador: “ Nosso único Senhor”, disse ele, “ É Jesus Cristo, o Filho do Deus Vivo! E você acabou de escutar quem é! Fora! Caim, assassino! Vá embora, encarnação do demônio! Pela autoridade de Cristo, eu, o servo dos servos de Deus, expulso-o eternamente, cão sarnento, da cidade Deus, e entrego-o a seu pai Satanás! Anátema! Anátema! Anátema!

Enquanto falava, o grande mágico se movia incansavelmente sob seu manto. Mais alto do que o último “Anátema!” soou o trovão, e o último Papa caiu morto no chão. “ Assim morrem todos os inimigos pela mão de meu Pai!” clamou o Imperador. “Pereant, pereant!” exclamaram os assustados príncipes da Igreja.

O Imperador se virou e, apoiado pelo grande mágico e acompanhado por toda sua multidão, caminhou lentamente para fora da porta atrás da plataforma. Permaneciam no templo somente os corpos e um pequeno grupo de cristãos quase mortos de medo. A única pessoa que não perdeu o controle sobre si mesmo foi o Professor Pauli. O horror geral parecia ter elevado nele todos os poderes de seu espírito. Ele até mudou de aparência; seu semblante se tornou nobre e inspirado. Com passos determinados, caminhou até a plataforma, tomou um dos assentos antes ocupados por algum oficial, e começou a escrever em um pedaço de papel.

Quando terminou, ergueu-se e leu em voz alta: “ Para a glória de nosso único Salvador, Jesus Cristo! O Concílio Ecumênico das igrejas de Nosso Senhor, reunindo-se em Jerusalém, com nosso abençoado irmão João, representante da Cristandade do Oriente, expôs o enganador, o inimigo de Deus como o verdadeiro Anticristo previsto nas Escrituras; e depois nosso abençoado pai, Pedro, representante da Cristandade do Ocidente, com toda a justiça e legalidade o expulsou para sempre da Igreja de Deus; agora, diante dessas duas testemunhas de Cristo, assassinados pela verdade, este Concílio Ecumênico decide: cessar toda comunhão com o excomungado e sua assembléia abominável, e ir para o deserto e ali esperar pelo retorno inevitável de nosso verdadeiro Senhor, Jesus Cristo.”

O entusiasmo dominou a multidão, e elevadas exclamações podiam ser ouvidas de todos os lados. “Adveniat! Adveniat cito! Komm, Herr Jesu, komm! Come, Lord Jesus Christ!” O professor Pauli escreveu novamente e leu: “Aceitando unanimemente este primeiro e último ato do último Concílio Ecumênico, assinamos nossos nomes” – e aí convidou todos os presentes a fazê-lo. Todos correram para a plataforma e assinaram seus nomes. E por último na lista em grandes caracteres góticos podia-se ler: “Duorum defunctorum testium locum tenes Ernst Pauli.”

“ Caminhemos agora com a arca de nossa última aliança,” disse ele, apontando para os dois mortos. Os corpos foram colocados em macas. Lentamente, cantando hinos latinos, germânicos e eslavos, os cristãos caminharam para o portão que levava para fora de Haram-esh-Sheriff. Ali a procissão foi parada por um dos oficiais do Imperador acompanhado por um esquadrão de guardas. Os soldados permaneceram na entrada enquanto o oficial lia: “Por ordem de sua Divina Majestade, para a iluminação do povo cristão e para sua proteção de homens sinistros que espalham a tentação e a rebeldia, consideramos necessário que os corpos dos dois agitadores, mortos pelo fogo dos céus, sejam publicamente exibidos na rua dos cristãos (Haret-em-Nasara), na entrada do principal templo de sua religião, conhecido com o Templo do Sepulcro de Nosso Senhor, ou templo da Ressurreição, para que todos se persuadam da realidade de sua morte. Seus seguidores obstinados, que ignominiosamente rejeitaram nossas dádivas e insanamente fecharam seus olhos aos sinais patentes do próprio Deus, por nossa misericórdia e presença diante do Pai Celestial, foram salvos de um morte merecida pelo fogo do céu, e serão deixados livres com a única proibição, necessária para o bem comum, de não viverem em cidades e outros lugares habitados, evitando com isso que possam perturbar e tentar os inocentes e ingênuos com suas invenções maliciosas”

Quando os oficiais terminaram sua leitura, oito soldados, ao sinal do oficial, aproximaram-se das macas que carregavam os corpos. “Que se cumpra aquilo que foi escrito”, disse o professor Pauli. E os cristãos que seguravam as macas passaram-nas silenciosamente para os soldados, que foram embora através do portão noroeste.

Os cristãos, tendo saído pelo portão nordeste, caminharam rapidamente rumo ao Monte das Oliveiras e depois Jericó, por uma estrada que tinha sido previamente esvaziada de outras pessoas por soldados e dois regimentos de cavalaria. Nas colinas áridas próximas de Jericó, decidiram esperar por alguns dias. Na próxima manhã, peregrinos cristãos simpáticos vieram de Jerusalém e contaram o que vinha ocorrendo em Sião.

todos os membros do congresso foram convidados a um vasto salão real (próximo ao suposto assento do trono de Salomão), e o Imperador, dirigindo-se aos representantes da hierarquia católica, disse-lhes: que o bem-estar da Igreja exigia claramente a eleição imediata de um digno sucessor do apóstata Pedro; que sob as presentes circunstâncias a eleição deveria ser sumária; que a sua presença como Imperador compensaria amplamente as inevitáveis omissões no ritual; e que ele, em nome de todos os cristãos, sugeria que o Sacro Colégio elegesse seu amado amigo e irmão Apolônio, para que sua amizade próxima pudesse unir a Igreja e o Estado de forma firme e indissolúvel em benefício mútuo. O Sacro Colégio se retirou para uma sala separada para um conclave e, em uma hora e meia, retornou com seu novo Papa, Apolônio.

No mesmo momento em que se desenrolava a eleição, o Imperador estava persuadindo os representantes ortodoxos e protestantes de forma humilde, sagaz e eloquente a colocar, em vista da nova grande era da história cristã, um fim a todas as dissensões antigas, dando sua palavra de que Apolônio extinguiria todos os abusos da autoridade papal conhecidos na história. Persuadidos pela fala, os representantes ortodoxos e protestantes realizaram um ato de unificação de todas as igrejas, e quando Apolônio apareceu com os cardeais no salão foi recebido com gritos de júbilo por todos os presentes, e um bispo grego e um pastor evangélico lhe apresentaram seu documento. “Accipio et approbo et laetificatur cor meum,” disse Apolônio, assinando-o. “Sou tanto verdadeiramente ortodoxo e protestante quanto sou católico,” acrescentou ele, e trocou beijos amistosos com o grego e o alemão.

Dirigiu-se então ao Imperador, que o abraçou e por longo tempo o deteve em seus braços. Nesse momento, línguas de fogo começaram a voar pelo palácio e pelo templo. Elas cresceram e se transformaram em formas luminosas de seres estranhos e flores nunca dantes vistas caíram, preenchendo o ar de um perfume desconhecido. Sons encantadores de música, que moviam as profundezas da alma, produzidos por instrumentos pouco familiares, foram ouvidos, com vozes angelicais de cantores invisíveis cantando a glória do novo senhor do céu e da terra. De repente, um barulho subterrâneo terrível foi ouvido no canto noroeste do palácio sob “Kubbet-el-Aruah”, “ o domo das almas”, onde, de acordo com a crença islâmica, se escondia a entrada do inferno.

Quando a assembléia, convidada pelo Imperador, dirigiu-se para aquele rumo, todos podiam escutar claramente inumeráveis vozes, agudas e penetrantes – infantis ou demoníacas- exclamando: “ O tempo chegou, libertem-nos, caros salvadores, caros salvadores!”. Mas quando Apolônio, ajoelhando-se no chão, gritou para baixo algo em uma língua desconhecida por três vezes, as vozes desfaleceram e cessou o barulho subterrâneo. Enquanto isso, uma vasta multidão cercava Haram-esh-Sheriff por todos os lados. A escuridão se instalou e o Imperador, junto ao novo Papa, mostrou-se no terraço leste – o sinal para uma tempestade de júbilo. O Imperador se curvou afavelmente para todos os lados, enquanto Apolônio tirava esplêndidos fogos e foguetes de grandes cestos trazidos pelos diáconos dos cardeais. Inflamando-os com um mero toque de suas mãos, lançou-os um após o outro no ar, onde brilhavam como pérolas fosforescentes e explodiam com todas as cores de um arco-íris. Quando chegavam ao chão, todas as faíscas se transformavam em incontáveis folhas de cores variadas, que continham a indulgência completa e absoluta de todos os pecados – passados, presentes e futuros. A exultação popular superava todos os limites. É verdade que muitos disseram ver com seus próprios olhos muitas dessas indulgências se transformarem em horrorosos sapos e cobras. Mas a maior parte do povo estava imensamente satisfeita, e as festividades populares se prolongaram por dias. Os prodígios do novo Papa superavam toda a imaginação, tornando uma tarefa desesperançosa a mera tentativa de descrevê-los.

Nas montanhas desérticas de Jericó, os cristãos remanescentes se devotavam ao jejum e oração. Na noite do quarto dia, o Professor Pauli e nove companheiros, montados em asnos e levando consigo uma carroça, se esgueiraram em Jerusalém e, passando por ruas laterais de Haram-esh-Sheriff até Haret-em-Nasara, chegaram até a entrada do Templo da Ressurreição, à frente do qual, no pavimento, estavam os corpos do Papa Pedro e do Ancião João. A rua estava deserta naquela hora da noite, já que todos tinham ido para Hasam-esh-Sheriff. Os guardas dormiam pesadamente. O grupo que veio atrás dos corpos os encontrou intocados pela decomposição, nem mesmo duros ou pesados. Colocaram-nos em macas e cobriram-nos com capas que tinham trazido. Pela mesma rota intrincada, retornaram a seus seguidores. Mal tinham abaixado as macas até o chão quando subitamente o espírito da vida pôde ser visto voltando aos corpos. Os corpos se moveram sutilmente, como se estivessem tentando se livrar das capas em que estavam enrolados. Com gritos de alegria, todos ajudaram e logo ambos os homens ressuscitados se ergueram, seguros de si e saudáveis.

Disse então o Ancião João: “ Ah, meus pequeninos, não partimos de forma alguma! Direi a vocês o seguinte: é hora de realizarmos a última oração de Cristo a seus discípulos – que eles possam ser um, assim como ele é um com seu Pai. Para essa unidade em Cristo, honremos nosso amado irmão Pedro. Deixem que ele finalmente pastoreie os rebanhos de Cristo. Ai está, irmão!” E colocou seus braços ao redor de Pedro. Então se aproximou o Professor Pauli. “ Tu est Petrus!”(“ Tu és Pedro!”) disse ao Papa, “Jetzt ist es ja grundlich erwiesen und ausser jedem Zweifel gesetzt”. “ ( Agora isso foi provado e colocado para além de qualquer dúvida”). E segurou firmemente a mão de Pedro com sua mão direita enquanto estendia a mão esquerda a João dizendo: “ So also Vaterchen nun sind wir ja Eins in Christo”(“ Agora, caro pai, somos um em Cristo”).

Desta forma, a unidade das igrejas se realizou no meio da noite em um lugar elevado e deserto. Mas a escuridão noturna foi subitamente iluminada por uma luz brilhante e um grande sinal apareceu nos céus; era uma mulher, vestida com o sol e com a lua sob seus pés e uma coroa de doze estrelas em sua cabeça. A aparição permaneceu imóvel por muito tempo, e então começou a se mover lentamente na direção sul. O Papa Pedro ergueu seu cajado e exclamou: “ Eis o nosso estandarte! Sigam-no! E caminhou atrás da aparição, acompanhado tanto por ambos os anciões quanto por toda a multidão de cristãos, indo para a montanha de Deus, para o Sinai…

não ignorava os preparativos para a consolidação do sucesso mundial do super-homem. Quando o Imperador transferiu sua residência para Jerusalém, espalhando secretamente entre os judeus o rumor de que seu principal objetivo era realizar a dominação do mundo por Israel, os judeus o proclamaram seu Messias, e sua exultação e devoção a ele não conhecia limites. Mas agora tinham se erguido subitamente, cheios de fúria e sedentos de vingança. Essa reviravolta nos eventos, prevista tanto nos Evangelhos quanto na tradição da igreja, foi narrada pelo Padre Pansófio com grande simplicidade e realismo.

Vejam vocês, os judeus, que consideravam o Imperador como um israelita de sangue verdadeiro e perfeito, descobriram inadvertidamente que ele não era sequer circuncidado. No mesmo dia toda Jerusalém, e no outro toda a Palestina ergueu-se em armas contra ele. A devoção irrestrita e ardorosa ao salvador de Israel, o Messias prometido, deu lugar a um ódio ilimitado e ardoroso ao enganador, o impostor indecente. Toda a nação judia se ergueu como um só homem, e seus inimigos se surpreenderam ao ver que no fundo a alma de Israel vivia não pelos cálculos e aspirações de Mamón, mas por um poder que tudo absorvia – a esperança e a força de sua fé eterna no Messias.

O Imperador, tomado de surpresa pela súbita explosão, perdeu todo o autocontrole e emitiu um decreto sentenciando à morte todos os judeus e cristãos insubordinados. Milhares e milhares de homens que não conseguiram se armar foram cruelmente massacrados. Mas um exército de judeus, composto de um milhão de homens, rapidamente tomou o controle de Jerusalém e prendeu o Anticristo em Haram-esh-Sheriff. O único apoio do Anticristo era uma porção de guardas que não eram fortes o suficiente para vencer a força do inimigo. Ajudado pela arte mágica do Papa, o Imperador teve sucesso em atravessar a linha inimiga, e rapidamente apareceu na Síria com um exército inumerável de pagãos das mais diferentes raças. Os judeus avançaram para encontrá-lo com poucas chances de sucesso. Mas mal tinham se encontrado os exércitos quando um terremoto de violência inaudita ocorreu. Um enorme vulcão, com uma cratera gigante, se ergueu no Mar Morto, ao redor do qual o exército imperial estava acampado. Rios de fogo fluíam rumo a um lago flamejante que engoliu o próprio Imperador, junto com suas forças inumeráveis – sem mencionar o Papa Apolônio, que sempre o acompanhava, e cuja mágica de nada serviu. Enquanto isso, os judeus se apressaram para Jerusalém, tomados pelo medo e o temor, clamando por salvação ao Deus de Israel. Quando a Cidade Santa já se encontrava a vista, os céus foram tomados por raios vívidos do leste ao oeste, e eles viram Cristo vindo até eles em seus paramentos reais, e as feridas dos pregos em suas mãos estendidas. Ao mesmo tempo, o grupo de cristãos comandado por Pedro, João e Paulo veio do Sinai a Sião e de vários outros cantos se aproximaram multidões triunfantes, consistindo de todos os judeus e cristãos que tinham sido mortos pelo Anticristo. Por mil anos, viveram e reinaram com o Cristo.

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