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O problema com Jerônimo

O problema com Jerônimo

Uma das partes mais estranhas do protestantismo, a partir da perspectiva de alguém de fora, é a combinação da sola Scriptura (a crença de que todos os ensinos cristãos devem vir das Escrituras, um ensinamento mesmo que não está nas Escrituras) e a crença de que a Bíblia só tem 66 livros.

Há duas razões para essa visão ser tão estranha: primeiro, porque, é claro, o ensino de que a Bíblia seja constituída de 66 livros não está nas Escrituras. Não existe um sumário inspirado, por assim dizer. A segunda excentricidade é que uma Bíblia de 66 livros nunca foi usada pelos primeiros cristãos, nem pela Igreja Católica, ou pela Igreja ortodoxa, ou pela Igreja copta, nem mesmo foi usada por Martinho Lutero ou João Calvino. A crença em uma Bíblia de 66 livros também contradiz o Concílio de Florença, um Concílio Ecumênico pré-Reforma Protestante, em que estiveram presentes Católicos, ortodoxos e coptas.

É como se um grupo surgisse do nada amanhã e declarasse que todos os ensinos cristãos devem ser extraídos só do Evangelho de Lucas, sem conseguirem explicar porque todos os ensinos devem vir das Escrituras inteiras ou só dessa parte das Escrituras. Então por que alguém acreditaria no cânon de 66 livros? Nathan Busenitz no The Master’s Seminary fornece a resposta-padrão:

Pois, aos que se impressionarem, perguntando “por que os protestantes não aceitam os apócrifos?”, a resposta principal a ser dada é que Jesus nunca os afirmou como sendo parte das Escrituras, nem os apóstolos.

Muitos dos Pais da Igreja não consideravam os livros apócrifos como sendo canônicos também. Eles os consideraram úteis para a edificação da Igreja, mas eles não os viam como autorizados. Até mesmo o erudito Jerônimo (que traduziu a Vulgata Latina, que se tornou a versão Católica Romana oficial das idades médias) reconheceu que os livros apócrifos não deveriam ser considerados como autorizados ou canônicos.

O primeiro desses argumentos é que os livros de Judite ou Sabedoria deveriam ser rejeitados porque Jesus nunca os citou ou afirmou que eles eram “parte das Escrituras”. Mas Jesus ou os Apóstolos nunca citaram Rute, Esdras, Neemias, Ester, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, Juízes, etc. e ainda assim os protestantes incluem todos estes livros em suas Bíblias. Então essa “resposta principal” como argumento não faz sentido. Ou, na realidade, esse é só um padrão duplo descarado.

Mas e quanto ao outro argumento, de que São Jerônimo endossava o mesmo Antigo Testamento que os protestantes agora afirmam aceitar? É verdade… pela metade. Há algumas coisas que você deveria saber.

Primeiro, Jerônimo é freqüentemente usado de maneira desonesta. Ao dizer que “até mesmo” Jerônimo “reconheceu” esta visão, seria fácil ter a impressão de que a visão do cânon de Jerônimo era a regra no período. Isso é falso. Jerônimo e Rufino são os únicos entre os primeiros cristãos a defender o cânon de 66 livros e, mais impressionante, nenhum deles fez uso desse cânon. Como Busenitz observa, Jerônimo traduziu a maior parte da Vulgata Latina, a Bíblia padrão, usada por toda a Cristandade ocidental ao longo de um milênio, e essa Bíblia inclui as Escrituras mesmo que os protestantes acham que não deveriam estar presentes.

Segundo, Jerônimo na verdade cita livros que estão além do cânon de 66 livros como Escritura inspirada. Por exemplo, em uma carta a Eustóquio, escrita após Jerônimo negar a canonicidade dos Deuterocanônicos, nós o encontramos citando um desses livros, Sirach, como Escritura: “pois não diz a Escritura “não ponhas sobre ti um fardo além da tua capacidade”?” Ignorar toda essa nuance para apresentá-lo como defendendo a visão protestante moderna é pior do que ser impreciso: é não dizer a verdade.

Terceiro, o cânon da Escritura era uma questão ainda não decidida no período. Essa é em si mesma uma evidência gritante de que os primeiros cristãos não achavam que tudo deveria vir “só da Escritura”. Há uma grande diferença entre um Católico dizendo “este ensino não foi claramente definido ainda, mas eu acho que a resposta certa é X” e um que diz “este ensino já foi claramente definido, mas eu discordo e acho que é X mesmo assim”. Isso nos leva a…

Quarto, Jerônimo é Católico Romano até o osso. Só para pegar um dos casos mais óbvios nos quais Jerônimo deixou claro que seu desejo mais profundo era o de acreditar na fé ortodoxa da Igreja Católica Romana, aqui ele contrasta o Catolicismo Romano como Origenismo, num argumento contra Rufino:

“O leitor latino”, diz ele [Rufino], “não encontrará nada aqui que discorde de nossa fé”. Que fé é essa que ele chama sua? É a Fé pela qual a Igreja Romana é distinguida? Ou é a fé que está contida nas obras de Orígenes? Se ele responder que é a Romana, então nós somos Católicos, já que nós não adotamos nenhuns dos erros de Orígenes em nossas traduções. Mas se a é blasfêmia de Orígenes a sua fé, então, embora tente imputar-me a acusação de inconsistência, fica provado que ele é herético.

E embora habitando no Oriente, Jerônimo escreve ao Papa para resolver a disputa teológica sobre as naturezas de Cristo. Ei-lo em suas próprias palavras:

Já que o Oriente, despedaçado como está por feudos de longa data, subsistindo entre povos, está pouco a pouco rasgando em muitos retalhos a veste do Senhor, tecida de alto a baixo [João 19:23], já que as raposas estão destruindo a videira de Cristo [Cântico dos cânticos 2:15] e já que entre as cisternas quebradas que não contêm água é difícil de descobrir a fonte selada e o jardim fechado [Cântico dos cânticos 4:12], eu acho que é meu dever consultar a cátedra de Pedro e voltar-me para uma Igreja cuja fé foi louvada por Paulo. Eu suplico por alimento espiritual à Igreja já que eu recebi a vestimenta de Cristo. A ampla área de mar e terra que jaz entre nós não pode me deter de procurar a pérola de grande preço [Mateus 13:46]. Onde quer que o corpo esteja, ali as águias estarão unidas [Mateus 24:28]. Filhos maus dissiparam seu patrimônio; só vós mantendes vosso patrimônio intacto. O solo frutuoso de Roma, quando recebe a semente pura do Senhor produz fruto cem vezes; mas aqui o grão de semente é sufocado nos sulcos ao longo do caminho e nada cresce a não ser joio e cizânia [Mateus 13:22-23]. No Ocidente o Sol de justiça [Malaquias 4:2] está agora mesmo se levantando; no Oriente, Lúcifer, que caiu do céu [Lucas 10:18], mais uma vez assentou seu trono acima das estrelas [Isaías 14:12]. Sois a luz do Mundo [Mateus 5:14], sois o sal da Terra [Mateus 5:13], sois os utensílios de ouro e prata. Aqui, os utensílios de madeira e terra [2 Timóteo 2:20] que esperam pela vara de ferro [Revelação 2:27] e o fogo eterno.

Ainda que vossa grandeza aterrorize-me, vossa amabilidade atrai-me. Do sacerdote eu peço a guarda da vítima; do pastor a proteção devida à ovelha. Que a majestade romana possa ficar longe de tudo que é arrogância. Minhas palavras são ditas para o Sucessor do Pescador, para o discípulo da Cruz. Como eu não sigo a nenhum cabeça a não ser Cristo, então eu não me comunico com ninguém a não ser V. Santidade, que está com a cátedra de Pedro. Pois esta, eu sei, é a pedra em que a Igreja foi construída [Mateus 16:18]. Esta é a casa onde só o cordeiro pascal pode ser corretamente consumido [Êxodo 12:22]. Esta é a Arca de Noé, e quem quer que não seja encontrado nela perecerá quando as torrentes cobrirem a Terra [Gênesis 7:23]. Mas já que por causa aos meus pecados eu me mudei para este deserto que jaz entre a Síria e o vazio incivilizado, eu não posso, devido à grande distância entre nós, pedir sempre à V. Santidade as sacras coisas do Senhor. Conseqüentemente eu sigo aqui os confessores egípcios que compartilham de tua Fé e ancoro minha frágil embarcação sob a sombra de teu grandioso navio. Eu nada sei de Vital; eu rejeito Melécio; eu nada tenho com Paulino. Aquele que não se une a vós, dispersa [Mateus 12:30]; aquele que não é de Cristo, é do Anticristo.

Então se você realmente se importa com o que São Jerônimo tem para dizer, siga o exemplo dele de todas as formas possíveis. Passe a ter plena comunhão com o Bispo de Roma e acredite na Fé salvífica que a Igreja Católica Romana acredita. Se você não se importa com o que Jerônimo acredita, então por que trazê-lo para a discussão afinal de contas?

Como eu afirmei acima, Jerônimo não estava dizendo “Eu rejeito a posição da Igreja Católica a respeito da lista de livros das Escrituras”. Ele prontamente afirmava os ensinos da Igreja, mas (é muito razoável), não estava muito certo de qual era o ensino da Igreja sobre o assunto.

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Postado há 28th September 2016 por Fábio Caio

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