top of page
Foto do escritorwww.intervencaodivina.com

UMA VIDA CONSAGRADA PELA ORAÇÃO NOS CRISTÃOS PRIMITIVOS

UMA VIDA CONSAGRADA PELA ORAÇÃO NOS CRISTÃOS PRIMITIVOS

Não é somente uma vez por semana, por ocasião da cerimônia da missa, como acontece hoje com muitos cristãos, que o fiel dois primeiros tempos volta o seu pensamento para Deus. “Quer vivamos, quer morramos — dissera São Paulo —, somos do Senhor” (romanos 14,8), e ainda: “para mim, o viver é Cristo (Filipenses 1, 21). Os batizados traduzem em vida essas afirmações.

No tempo em que vivia — homem entre homens — Jesus afirmara muitas vezes a necessidade da oração e, neste aspecto como em todos os outros, dera exemplo aos seus. Pela oração tinha-se preparado para todos os grandes acontecimentos da sua vida; na oração encontrara repouso e força, e através da oração unira-se muitas vezes a seu pai.

Foi o que formulou Clemente de Alexandria, o grande Pensador de fins do Século II, em termos tão admiráveis que vale a pena reproduzí-los na íntegra: “fazemos de toda a nossa vida uma festa, persuadidos de que Deus está presente em toda parte e de todas as maneiras, e de que, quando trabalhamos, o louvamos, e, quando navegamos, lhe entoamos hinos. A nossa oração é, atrevo-me a dizer, uma conversa com Deus. Mesmo quando nos dirigimos a ele em silêncio ou mal mexendo os lábios, interiormente estamos a orar. Mesmo depois de terminada a oração vocal, continuamos de cabeça levantada e de braços erguidos ao céu, voltados para o universo espiritual na comoção da nossa alma. Quer passeie, converse ou descanse, quer trabalhe ou leia, o fiel ora: e, sozinho no reduto da sua alma, se medita, invoca o Pai Com Gemidos inefáveis, e o pai está próximo daquele que o invoca assim (estromada VII, 7).

Voltado para o Oriente — porque o Oriente é Cristo. Oriens ex alto, o lugar de onde procede a luz que desperta os homens que dormem nas trevas, e também a direção da Jerusalém terrestre — O Fiel ora em muitos momentos do dia. Ergue as mãos num gestos tão antigo Como o próprio homem, e junta-as para a Súplica; prostra-se por terra ou ajoelha-se para confessar a sua humildade, a sua miséria; e, pelo sinal da cruz, três vezes repetido sobre a testa, sobre os lábios e sobre o peito — assinala-se a si mesmo com selo do Mestre, enquanto a boca proclama, segundo as circunstâncias, o seu modo particular de pertençer a Cristo. “Todas as manhãs e a todas as horas — escreve Aristides por volta do ano 140 — os cristãos cantam a Deus e o louvam pela sua bondade para com eles. E de modo parecido rendem-lhe Graças pelo alimento e pela bebida que ele lhes dá”.

Que oração rezam os fiéis da Igreja Primitiva? Estamos muito longe de conhecer todas e, além disso, não tinham o caráter rígido e estereotipado com que muitos cristãos de hoje se contentam. Certamente o pai-nosso, a oração Cristã por Excelência, era a mais usada. Por outro lado, iam buscar à escritura sagrada muitas das suas mais belas páginas, tal como a tradição de Israel as transmitia, e era por meio dos Salmos Bíblicos que suplicavam ao todo poderoso, Como faz a igreja nos nossos dias. Mesmo que não as citassem textualmente, os Cristão serviam-se de numerosas fórmulas do povo eleito, das suas alusões e cadências, Como fizera a Santíssima virgem no magnificat; mas renovavam e transformavam essas reminiscências judaicas, introduzido nelas o pensamento de Cristo, profeticamente presente através dos símbolos do Antigo Testamento e fim Supremo de toda a expectativa de Israel (é a interpretação simbólica do Antigo Testamento, que quase todos os padres da igreja — principalmente os do século II — e os cristãos da idade média tanto usaram. Ela explica uma enorme quantidade de alusões que ainda hoje se encontram explícitas no breviário, que a seleção dos Evangelhos e das epístolas de todos os domingos dá a conhecer aos fiéis e que as esculturas das nossas catedrais materializam em obras-primas. Assim por exemplo a ressurreição é simbolizada pela saída do Egito e pela história de Jonas; a circuncisão liga-se à água que jorrou no Horebe; a Travessia do Mar Vermelho ou o dilúvio são figuras do batismo etc.).

Pouco chegou até nós dessas orações primitivas, pelo menos na sua versão mais antiga. Mas as que conhecemos tem um tom pungente, tanto que muitas delas nos foram transmitidas pelas atas dos Mártires, e por isso exprimem a fé e a esperança de homens chegados ao ponto culminante da experiência humana perante a morte. Por exemplo, oração de São Policarpo, momentos antes do seu martírio em 155:

“Senhor, Deus todo poderoso, pai de Jesus Cristo, teu filho bem amado e abençoado, que nos ensinou a conhecer-te, Deus dos Anjos, dos poderes de toda criação e da raça dos justos que vivem na tua presença! Eu te bendigo por me ter julgado digno deste dia e desta hora, digno de tomar parte com os Mártires. No cálice do teu Cristo, a fim de ressuscitar para a vida eterna da alma e do corpo, na incorruptibilidade do Espírito Santo. Possa eu hoje ser admitido à tua presença no meio deles, como uma vítima bem nutrida e apetecível! Tu me concedes agora, ó Deus que não mente, a sorte que me tinhas feito ver antecipadamente Deus da Verdade! Por esta graça, como por tudo, eu te louvo, eu te bendigo, eu te glorifico, por meio do Eterno e Celeste Sacerdote Supremo, Jesus Cristo. Por É, glória a Ti, com ele e com o Espírito Santo, agora e pelos séculos dos séculos!” Amém!” Este grito de amor que o Santo Bispo de Esmirna proferia diante do carrasco não era outro senão aquele que, a todas as horas do dia, ocorria aos lábios de todos os fiéis.

Qual significado da oração? Pedimos a Deus e esperamos que ser atendidos (o que não quer dizer que estes apelos tenham sempre intenções pragmáticas e interesses). Mas os primeiros cristãos conheciam a proclamavam a eficácia da oração e dos sacramentos, conheciam melhor do que nós o seu significado, a sua intenção simbólica e mística. A seus olhos, orar era conversar com jesus vivo, como haviam conversado os discípulos de Emaús e como cada um conversaria, no dia de amanhã, com cristo na glória. Comungar era sentar-se à mesa da última ceia, cujos pormenores eram todos familiares, e ao mesmo tempo tomar parte da ceia eterna, que se iria celebrar o dia de amanhã. Essa atitude explícita-se mais nas obras de São Cirilo de Jerusalém, do pseudodionísio e de Máximo, o confessor, e ganha uma ressonância admirável, que hoje infelizmente está quase esquecida.

A mesma intenção Mística explica igualmente que os primeiros cristãos tivessem querido consagrar o tempo. Assinalar com festas e preces o ano, o mês e a semana é fazer passar para a imortalidade aquilo que a nossa vida tem de mais perecível; é, de alguma forma, estabelecer uma relação imediata entre a nossa natureza, ligada ao efêmero, e a ordem Sobrenatural da Eternidade Divina. É preciso consagrar o tempo, como é preciso consagrar a vida, como é preciso dar tudo ao Senhor!

A semana ordena-se então em volta do domingo, dia da Ressurreição, que se torna o seu ponto de partida. Da mesma maneira, retomando a tradição judaica dois jejuns (o jejum consistia na abstenção de todo alimento e de toda a bebida até a Hora Nona, Isto é, até o meio da tarde. O jejum da sexta-feira assinalava a comemoração da morte de Cristo; o da quarta-feira talvez espiasse a traição de Judas. Aos jejuns da semana acrescentaram-se jejuns anuais que precediam a Páscoa; foram fixados em 40 dias, em memória do jejum que Cristo fez no deserto. Esta é a origem — que data do século I — da nossa Quaresma. Vemos claramente a substituição do jejum judaico pelo jejum cristão). Mas deslocando-os para evitar confusões, a quarta e a sexta feira lembram aos fiéis a necessidade da Penitência, e o sábado, conservando alguma coisa do antigo Sabbath, é um dia de preparação para a glória do domingo. Pouco a pouco, o ano inteiro é organizado dentro de um ciclo litúrgico que consagra a Deus todos os meses, todas as estações, todos os dias. No começo parece existir apenas uma grande festa: a da Páscoa para qual converge o tempo, que culmina com a ressurreição; mas bem depressa, antes do século IV, outros episódios da vida de Cristo impõe comemorações particulares. Tais são Sobretudo o nascimento Divino, que será lembrado desde época muito antiga, em datas variáveis; e o Pentecostes, antiga festa judaica tornada Cristã, comemorando a descida do Espírito Santo sobre os Apóstolos.

Assim, toda a existência do Cristão se encontra iluminada. Começou pelo batismo e pelas suas grandes cerimônias, com as quais se faz a profissão de fé; vai continuar de um extremo ao outro, balizada pela oração, orientada para Deus, marcada como um símbolo Perpétuo que faz dela as Primícias da eternidade; e quando ela acaba, é ainda a oração que acompanha o Cristão morto ao limiar das felicidades eternas. O enterro, como todo o resto, é um ato Cristão, e torna-se alegria porque a alma atingiu o seu fim. Sobre esse corpo lavado e ataviado, entoavam-se ainda as últimas preces, tiradas dos Versículos dos Salmos: “fazei-me ouvir uma palavra de gozo e de alegria, para que exultem os ossos triturados (Salmo 50). “Vós Sois o meu asilo, das angústias me preservareis” (Salmo 31). ” Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque vós estais comigo, Senhor” (Salmo 22).

Bibliografia: A Igreja dos Apóstolos e dos Mártires, Daniel Rops

0 visualização0 comentário

Posts Relacionados

Ver tudo

Comments


bottom of page
ConveyThis